Pulando a Cerca
Opa! - Não é o que vocês estão pensando. Pulei a cerca, literalmente. Não foi no sentido figurado, aquele termo usado para o homem “pegador”.
Sou do tempo em que se acreditava em Papa Figo, aquele personagem lendário que matava as crianças para comer o fígado. Era uma estratégia dos pais para que as crianças a eles obedecessem, não se afastando de casa, indo para o rio tomar banho sozinho, sob o risco de afogamento.
Certo dia, a minha avó chega em casa, com o pretexto de tomar conta de nós, enquanto a minha mãe ia à feira, no outro lado do rio, a cidade vizinha. Para nos meter medo, foi logo dizendo: “meninos, hoje vocês não podem sair de casa, porque dois homens estranhos foram vistos fazendo a travessia do rio, para o lado de cá, na canoa de fulano de tal”, um cidadão que habitualmente atravessava seus passageiros em dia de feira. E fez a descrição dos estranhos homens, com a suas orelhas compridas, caracterizando a assim o temido Papa Figo. Ficamos quietinhos em casa, até que mãe retornasse da feira. Ao seu retorno, incumbe-nos de uma missão, que nos pareceu incoerente. Irmos exatamente na direção em que foram vistos os supostos Papa Figos, com o fim de cuidar de alguns animais. Com medo, mas em obediência às suas ordens, tivemos de ir, para o que convidamos um vizinho da minha idade, formando um trio de crianças medrosas.
Misturando os afazeres com brincadeiras, o que é próprio de criança, atrasamos o nosso retorno, pelo que já causava preocupação à minha mãe. Como seu emissário, mandou o irmão mais velho ao nosso encontro. Este, ao ouvir a nossa voz, falando exatamente em medo de Papa Figo, escondeu-se atrás de uma moita e, ao passarmos em frente, deu aquele grito para nos assustar: “Agora te pego, seus cabrinhas”!
Saímos em disparada, com aquele pensamento de “pernas pra que te quero”, não respeitando nada pela frente. O primeiro obstáculo foi uma cerca de arame farpado. Pulamos a toda pressa, sem temer os arranhões que seriam menos danosos do que o alcance do Papa Figo. Mais à frente, outras duas cercas de ramada de juazeiro e quixabeira, com seus espinhos, pulamos com a mesma destreza, impulsionados pelo medo. Chegamos em casa assustados e logo em seguida chegou o irmão gozador, nos chamando de “cabras frouxos”, mas não revelou o segredo. Para todo efeito a nossa carreira teve um motivo justo: medo do Papa Figo. E assim, pulamos não só uma cerca, mas três, todas elas perigosas, uma com rosetas afiadas e as outras duas com espinhos pontiagudos. Até agora, foram essas as cercas que eu pulei.