Uma História de outro Mundo
Abelardo, recém-casado com Maria Rita, moravam na Usina Luciânia, considerada um bairro afastado de Lagoa da Prata, minha cidade, mais ou menos cerca de nove quilômetros. A alegria de ambos era quando chegava sábado e podiam vir à cidade de lotação.
Naquela época o comércio ficava aberto até mais tarde, portanto dava para fazer compras e visitar os parentes. Pois bem num desses dias de sábado, Abelardo chega em casa depois de trabalhar arduamente arando as terras do falecido e antigo dono da usina, coronel Luciano, e grita para sua esposa:
__ Ritinha te prepara, hoje nóis vamo a cidade visitar a mãe e o pai. E visitá seus pais tamem. Vamo fazé compra. Cê vê aí o que tá faltano. Faiz a lista pra que num falte nada.
__ Tá bem Abelardo. __ Disse Maria Rita feliz da vida.
Se arrumaram e vieram para a cidade. A primeira parada foi a casa dos pais de Abelardo. Conversa vai, conversa vem, o entusiasmo, a cachacinha. Maria Rita foi ficando intrigada, as horas já iam adiantadas. Resolveu chamar o marido:
__ Abelardo, cê num acha que já tá na hora da gente ir?
Ele olhou para ela, já meio de pileque e resmungou:
__ Tá certo Ritinha. Vamo lá vê seus pais.
Se despediram de todos e rumaram para a casa dos pais de Maria Rita. Um calor infernal. Abelardo ainda conseguia dar as mãos à esposa. Parecia uma eternidade chegar à casa dos sogros. Ele ia matutando pelo caminho:
__ É meu sogro parece que num é muito meu fã, probrema dele já casei com a fia. Minha sogra sim é gente boa. __ Nesse ínterim olhava para Maria Rita e sorria. Ela lhe perguntou:
__ O que foi Abelardo?
__ Nada não Ritinha. Nada não. Tô só pensando cá com meus butões.
Demoraram cerca de vinte minutos para chegar lá. Ele ia pensando no sogro e na sogra. Não trocou mais nenhuma palavra com Maria Rita e muito menos ela com ele.
Quando lá chegaram qual foi a surpresa dele, o sogro havia comprado uma televisão novinha, novinha. Ia ter jogo do Atlético e do Cruzeiro. Ele atleticano e o sogro cruzeirense, confusão armada na certa. Sorte dele havia quatro de seus seis cunhados que eram também atleticano, assim não passaria tanta raiva. Os três concunhados não fediam nem cheiravam, puxavam o saco do sogro. Mulher naquela época não dava palpite por isso a sala era só dos homens. Maria Rita foi conversar com a mãe e com as cinco irmãs que lá estavam sendo três casadas e duas solteiras.
Abelardo mal cumprimentou a todos devido ao bafo de onça, o sogro o encarou e lhe disse com ar azedo:
__ Boa tarde seu Abelardo? Como tem passado?
__ Boa tarde seu Ziquinho. Tenho passado bem, trabaiando muito. Já viu, né?
__ É. __ Disse o sogro com cara de poucos amigos. __ Se assente e vamo assiti o jogo já vai começá.
Ele meio que acanhado assentou-se perto dos cunhados atleticanos, não queria correr o risco. Bem o jogo começou. Atenção dobrada. Primeiro gol do Atlético. Gritaria geral na sala. Desce a primeira rodada de cerveja. As horas passam, mais um gol do Atlético, mais rodada de cerveja. Abelardo fica eufórico, porque só faltava dois minutinhos para o jogo acabar, busca mais cerveja e no meio uma cachacinha. O jogo enfim termina vitória do Atlético. Ele neste instante sequer encarava o sogro que esbravejava com todos. Pedindo silêncio e dando umas bufadas.
Maria Rita se aproxima da sala e com jeitinho fala para o marido:
__ Abelardo, tá na hora da gente ir. Só tem esta lotação e das dez horas.
Ele retruca a esposa:
__ A gente vai na das dez horas. Vamo jantá primero. __ Nisso encarou o sogro que fez uma cara de dar medo.
__ Então vou ajudá a mãe e as meninas a fazé a janta.
Maria Rita saindo eles começaram a conversar, havia controvérsias. O sogro já mais calmo começou a contar seus causos e ninguém podia falar mais nada. Ouvia-se só a voz alta de seu Ziquinho.
Com a janta pronta, todos jantaram, conversaram um pouquinho mais e quando deram por si faltavam cinco minutos para as dez. Maria Rita disse atormentada:
__ Abelardo a última lotação já se foi.
__ Se preocupa não minha fia, eu arrumo a cama e ocês dorme aqui mais nóis. __ Falou dona Geralda a sogra de Abelardo.
__ Por mim tá certo mãe.
Abelardo não disse nada apenas consentiu com a cabeça.
Dona Geralda, toda zelosa, preparou a cama para os dois, enquanto Abelardo e Maria Rita tomavam banho. Seu Ziquinho resmungou qualquer coisa, dona Geralda o repreendeu dizendo:
__ Fica calado home do céu. Para de ficá ai resmungano e vem deitá já tá tarde. Dexa o Abelardo e a Ritinha em paz.
__ Falta de respeito. Toma banho os dois junto. Esse mundo tá perdido memo Dina.
__ Já falei, vem pro quarto e dexa os dois se ajeitarem.
Abelardo e Maria Rita rumaram para a cama improvisada que dona Geralda lhe havia preparado. Já deitados e acomodados, passaram-se muitos minutos e Abelardo não conseguia dormir. Na casa só se ouvia os roncos de Ziquinho. Abelardo rolava no colchão e nada o sono não vinha. É verdade que havia bebido demais, por isso queria sua cama e sua casa, pensando assim, deu um cutucão em Ritinha que resmungou do seu canto:
__ O que foi Abelardo? Ficou malucado? Tô com sono. Dexa eu dormir.
__ Ritinha, acorda, vamo embora agora.
__ Agora cê endoidó de veiz. Eu num vô a lugar ninhum. Andá daqui até lá em casa, piró memo.
Dona Geralda ouviu toda a conversa e ficou caladinha querendo saber onde ia dar a maluquice do genro. Ele por sua vez continuou:
__ Ritinha, se ocê num vai eu vô suzinho. Tô vistino minhas ropas tô pono os pés na estrada.
Ritinha ficou calada e com muita raiva se levantou e vestiu suas roupas também. Dona Geralda então fala para o genro:
__ Abelardo, meu fio, fica aí amanhã cedo ocês vai. Discansa um pouquinho.
__ Mãe a senhora está acordada?
__ Tava fazeno minhas orações e num pude dexá de escutá a prosa doceis.
__ Dona Geralda quero ir embora pra casa agora. Agradeço a senhora de coração.
Nisso Ziquinho acorda e pergunta:
__ O qué qui tá aconteceno?
Maria Rita mais que depressa responde ao pai:
__ Nada não pai. Pode continuar durmino. É que o Abelardo tá querendo ir embora a pé pra casa.
__ Esse home ficó dismiolado de veiz? Se aquiete home, vá dormi.
__ Já tô indo Maria Rita, sem vem cumigo ou não?
Maria Rita sem dizer palavra alguma se ajeitou rapidamente e seguiu o marido. Andaram, andaram, andaram muito até chegar próximo a casa dos pais de Abelardo. Ele então disse a Maria Rita:
__ Ritinha é mió nóis ficá em casa de meus pais.
Ela furiosa olhou para ele e disse:
__ Não, nóis vamo andá até em casa. Ocê num disse que queria sua cama, sua casa? Num quis ficá na casa de meus pais na de seus pais eu tamém num fico. Vamo embora agora.
__ Ritinha, tô cansado.
__ Eu tamém, mas vamo agora memo.
E os dois continuaram a caminhada, Maria Rita à frente e Abelardo cerca de uns metros de distância dela. Ao se aproximarem da Usina, cana para todo lado, a lua clareava bem a passagem, Maria Rita sentiu um frio na espinha e os cabelos do corpo se ouriçaram. Abelardo também sentiu um arrepio e quando já estavam cerca de uns duzentos metros adentro da estrada que levava a Usina avistaram uma mulher com uma mala na cabeça que ia andando lentamente.
__ Ritinha acho que num foi só nóis que perdeu a lotação. __ Disse Abelardo meio nervoso.
Ritinha começou a rezar baixinho e não disse nada.
Ao passarem pela mulher Abelardo parou e perguntou:
__ Qual é seu nome?
Ela o encarou e não disse nada.
Ritinha não parou continuou a caminhar, mas sempre com o ouvido atento. Abelardo insistia com a mulher:
__ Nunca te vi por estas bandas? Mora aqui a poco tempo?
A mulher calada.
Ritinha notou que ela estava suja, para não dizer imunda. Sentiu seu coração acelerar dentro do peito. Abelardo puxou conversa mais uma vez:
__ Onde ocê mora?
A mulher o encarou com um olhar arrepiante e disse ao seu interlocutor:
__ Eu não sou deste mundo. __ E soltou um triste grunhido.
Abelardo sentiu as pernas bambearem e saiu em disparada e gritando:
__ Corre Ritinha que é assombração.
Os dois começaram a correr e quando olharam para trás não viram mais nada.
P.S.: Usina Luciânia era conhecida pelos seus causos de assombração, devido ao dono cel. Luciano que segundo os mais velhos tinha o demônio engarrafado (Cruz , Credo).