Reminiscências 14
Ouvindo Rádio
Certos costumes de família, pela freqüência com que ocorrem acabam se tornando obrigatórios. Um desses costumes, quando morávamos na roça, era reunir a família na sala em torno de um enorme rádio, sempre por volta das 18:00 h. Primeiramente para ouvir a oração da Ave Maria e em seguida uma novela que se chamava “Juvêncio, o justiceiro do sertão”, um precursor do “Jerônimo, o herói do sertão”. Coisa mais antiga, dirão alguns, mas tudo bem, penso que cada época deve ser vivida à sua maneira.
Acontece que tínhamos um pequeno inconveniente. A energia elétrica era gerada na própria fazenda e os problemas para mantê-la funcionando bem eram constantes. Meu irmão Cláudio que o diga, pois era ele o encarregado de efetuar os reparos na “usina”, ora desobstruindo o sistema de água, que fazia girar o motor, ora emendando correias partidas e fios entre outras tarefas.
Quando um desses inconvenientes ocorria à noite, um de nós (geralmente eu) tinha que acompanhá-lo com uma lamparina a querosene com objetivo de iluminar seu “ambiente de trabalho”.
Lembro-me que numa dessas noites em que chovia muito, um desses “apaguinho” aconteceu. Não seria nenhum problema se horário não fosse justamente quando estava para começar o tão esperado “Justiceiro do Sertão” que meu pai não perdia por nada nesse mundo.
Imediatamente ele ordenou ao meu irmão Cláudio e seu “fiel assistente” que descêssemos até a usina e consertássemos o defeito.
O fato é que meu irmão estava muito cansado por ter trabalhado o dia todo, não gostou nada daquela missão, pegou as ferramentas e saiu bravo e resmungando.
Bem, eu ainda não tinha o direito de gostar ou não, (mesmo porque ainda me lembro de que meu pai sempre dizia: “Ordem é pra ser obedecida e não discutida”. Saí para ajudá-lo.
Sob um temporal medonho, chegamos ao local de trabalho e com a experiência adquirida pelo “Bodoque” (meu irmão detestava esse apelido), um simples defeito foi logo detectado.
Acontece que ele tinha (e ainda tem) um gênio um tanto quanto “ruim”, resolveu pregar uma peça em meu pai. Foi quando ele pensou um pouco e falou pra mim: “Olha magrelo, vamos voltar e dizer que o motor queimou e somente com a troca de uma peça é que ele voltará a funcionar, ta bão?” – “Tá bão”, respondi. E assim fizemos. Naquele dia nada de Novela.
Resultado: No dia seguinte meu pai ordenou logo de manhã que meu irmão fosse à cidade comprar a nova peça e consertasse o bendito motor.
Mas o melhor da “festa” veio em seguida. Como recompensa ao seu “comparsa” meu irmão me convidou para ir com ele à cidade.
Bem, ganhamos um dia de passeio e felizes á noite ninguém perdeu a oração e muito menos os próximos capítulos.
Penso que finalmente a justiça foi feita naquele sertão!