O PESCADOR E O PEIXE SURFISTA

Muito longe de mim a intenção de contar mentiras, e mesmo se tratando dum causo, já peço desculpas à criatividade dos pescadores.

Mas o fato é que era minha semana de férias e todas as manhãs bem cedinho eu, espectadora assídua da natureza encantada, aportava àquela beira mar para na minha cadeira de praia aguardar pelo nascer do sol.

Cenário para lá de paradisíaco.

O astro-rei aos pouquinhos abrilhantava-se sobre as águas crespas do oceano, a reinar soberano lá no horizonte. E tudo se iluminava dentro e fora de mim.

E tão logo ele me aparecia.

Ainda jovem, alto e magérrimo, de ombros protusos, suas duas clavículas salientes carregavam uma camiseta regata dum branco areia que tremulava à brisa do mar, expondo sua bermuda cor terra e suas pernas ágeis e afiladas. Seus pés negros e descalços pisavam com a determinação dum gigante.

Nas suas costas via-se uma parafernália de objetos de pescador, uma vara longa e um anzol.

Ágil no escalar das rochas salientes que se ora despiam ao movimentar das ondas, ali ele se assentava quase à beira mar, arremessava àquelas águas rasas a vara já munida do anzol e, sob um sol escaldante, ali ficava horas e horas à espera do seu pão de cada dia. Várias vezes no final do dia eu o via terminar sua jornada de cesta vazia.

Aquilo me intrigava e me entristecia.

Nada entendo eu de pescaria, mas... que raios!-haveria bom peixe logo ali na beirada daquelas marolas?-era o que todas as manhãs eu ansiosamente me perguntava. Não seria melhor partir de jangada para o alto mar?

**

Foi quando correu a notícia do seu sumiço da praia, levado pelas águas do mar.

Certo dia, ele adormeceu sobre a rocha quente e desapareceu sobre as pedras quando a lua rendeu o sol.

Todos deram por sua falta, porque até mesmo aos cenários poucos promissores nossos olhos e nossos corações se habituam...e sentem falta.

Então acionaram sua busca pelos mares.

Bombeiros salva- vidas puseram-se a postos com seus barcos, pranchas e bóias e o procuraram exaustivamente dias a fio...

Escalaram as rochas mais profundas , as barreiras de corais, as conchas gigantes, até as profundezas das ilhas que nossos olhos já não as alcançavam. E nada do pescador!

Certa manhã, quando todos já se davam por vencidos, ele de súbito me apareceu bem ao longe, e foi me chegando sobre as mesmas marolas que acariciavam meus pés, impulsionado pela força da crista duma onda gigante.

Vinha de carona no bico posterior da enorme prancha de surf heróicamente equilibrada por um tubarão gigante de óculos escuros, ancorando seu anzol sobre a nadadeira (barbatana) dorsal do grande atleta do mar.

Vinha com a mesma camiseta areia que tremulava à velocidade do vento.

Quando me viu, freou a prancha com a vara de pescaria e aos poucos deslizou pela areia até que ambos aportassem lentamente aos meus pés.

Olhou para mim e com um sorriso encantador me esclareceu: "sei que torcia por mim, então, este eu fui buscar pra você, o maior peixe surfista que já pesquei na vida".

Em homenagem ao pescador real que todas as manhãs, bem cedinho, eu observava naquela praia, sobre as rochas.

BA/janeiro de 2010