MATA FEIO UM FREGUÊS PORRETA

MATA FEIO UM FREGUÊS PORRETA

Iniciei minha atividade comercial por volta de 1968. Meu objetivo era minimizar um pouco as dificuldades, buscando com esta alternativa uma complementação do pouco rendimento como produtor rural.

Jamais imaginei que com tão poucos recursos em mãos beneficiaria tanta gente. Meus freguêses; digo freguêses porque cliente seria uma palavra muito sofisticada para minha vendinha tão pequena humilde.

Foi uma idéia brilhante acatada por aquela gente humilde e sofredora que se locomovia vária léguas com o bolso quase vazio para adquirir bens de primeira necessidade. Lavradores e sitiantes espalhados pela redondeza, que me deram um grande apoio, comercial e fraterno. Maioria já partiu para sua ultima morada, mas estão incluídos em minhas orações como tributo de minha gratidão a eles.

Recordo com saudade todos eles, em especial aqueles mais sofredores que muitas vezes nem pagavam seus débitos como deviam. Mas me sinto em paz comigo mesmo e gratificado por nunca ter deixado nenhum sair de capanga vazia. Alguns eram tão pobres que dava pena. O Mata Feio, por exemplo. Casado com uma mulher gorducha cuja circunferência media mais que sua altura. Ambos analfabetos de corpo e alma. Mas muito moralistas. Exigia dos filhos, respeito aos mais velhos e um procedimento correto em sua conduta. Tinham a cor negra indígena, talvez sejam originários dos silvícolas.

Com sotaque caipira e bem sertanejo era divertido e alegre.

Comprava seus alimentos básicos, arroz, feijão, banha, sal, açucar, fubá, farinha, e café. Depois querosene, fumo pra pitar, ajeitava cada mantimento em um bornal, juntava todos dentro do saco, um bornal separado, esse era para a garrafa da aguardente, o combustível da viagem, doze quilômetros entre a venda e sua residência. Como na venda não era permitido tomar sua branquinha. Na primeira parada para tomada de fôlego, colocava o saco de compras de lado, bebia uma boa dose, no bico da garrafa. Arrancava de novo. Esta era sua rotina semanal. Após o patrão ter liberado seu vale compra geralmente tinha que esticar o Maximo para que o orçamento coubesse dentro do seu (boró) apelido que deram ao vale do patrão.

Certo dia decide caminhar um pouco mais antes da mamada costumeira, desceu sua carga. Só ai deu pela falta da garrafa que ficara no chão, encostada no balcão da venda. Colocou seu saco na moita e voltou há quase mil por hora, afinal era sua única regalia semanal. Quando conseguiu retomar seu saco de compras, algumas estrelas já ofuscavam sinalizando o infinito. Ainda restavam cinco quilômetros a ser vencidos as paralelas da estrada cobertas de eucaliptos com aproximadamente um e meio metros de altura, simetricamente plantados aos quarteirões. Naquela vasta mata em formação que sumia de vista uma vivalma si quer alem da sua.

Pobre Mata Feio... Deu de testa com uma onça amarela, não sabe qual assustou mais... Se ele ou a fera. Ela rasgou um miado igual gata no cio. Ele quebrou eucaliptos no peito, e vagou sem rumo o resto da noite. Os quarteirões de arvores todos iguais. Em plena escuridão com seu saco de compras nas costas, perdido no meio da plantação. Quando o sol raiou percebeu que andara em circulo no entorno de sua casa que estava distante a poucos metros. Dois dias passou de cama, tomando os chás preparados pela mulher, tentando colocar seus músculos no lugar certo.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 10/01/2010
Código do texto: T2021733
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