A CAIXINHA DE SEGREDO

Feita um espectro,prêso entre as formas da porta,a dona da venda pita um cigarro de palha enquanto visualiza o movimento intenso em sua concorrência.
Já passam das nove da manhã e até então nenhuma viva alma adentrara em seu estabelecimento.A manhã lhe parece tétrica...Um céu sem nenhum entusiasmo desenha-se acinzentado e sem brilho ao seu olhar frio e pastoso feito o céu que acaba de contemplar.
Não é mais uma môça e tem consciência de que já vivera o bastante para saber exatamente o que quer.Não tem lembrança de sentir-se amada algum dia e nem tão pouco de ter amado alguém.O que lhe interessa agora,na verdade,é continuar administrando a pequena venda herdada de seus pais.E com mãos firmes e rédeas muito curtas como costuma afirmar,sem se dar conta de que a sua agressividade espanta a clientela que acaba refugiando-se no ambiente acolhedor do concorrente.
Teimosa e cheia de orgulho,acha-se estar fazendo a coisa certa.O olhar melancólico percorre a fileira empoeirada de garrafas nas prateleiras e o silêncio se quebra ao ruído sêco da folha de janela fechando-se bruscamente à uma rajada mais forte de vento.Só então percebe a presença de uma criança no interior da venda.
A menina de cabelos encaracolados lança-lhe dos olhos claros um sorriso terno,quase angelical...Fustigam-lhe em troca um olhar sem viço,pesado...Como se duas pesadas patas animalescas sufocassem o alçar de um vôo de passarinho.
Arrastando os chinelos a mulher dirige-se à pequena portinhola que lhe separa do balcão e agora já atrás do mesmo num tom ríspido,sêco e grosseiro,pergunta:
_O que você quer?
_Uma caixinha de segredo,senhora!...
Uma vez aberta a pequena vitrine envidraçada dos dôces,a mulher atira-lhe o pequeno volume e com o cigarro preso no canto da boca,vai dizendo:
_Dois cruzeiros.
A menina lhe sorri novamente e lhe alcança o rolinho da nota que traz na mão.A vendeira atira com desprezo o dinheiro numa gaveta.Traga nervosamente o cigarro e a baforada incensa o ar de uma fumaça mal cheirosa.
Abre-se a caixinha e os olhinhos da criança cintilam de felicidade enquanto retira de seu interior uma minúscula bonequinha de plástico.Com as mãozinhas em concha eleva aquêle objeto diante dos olhos da "insatisfeita" como se fôra uma oferenda.
_Olha minha senhora!...Veja o que eu ganhei!...
A resposta lhe vem grotesca e mal criada:
_"Graaande Coisa!..."
A ingenuidade a pureza de criança felizmente lhe impedem a percepção da grosseria com que foi tratada e a garotinha sai carregando entre as mãos o premio que tanto lhe gatificara.
Aos poucos a sua imagem vai se diluindo na poeira da estrada,na doce ilusão de sua inocência ,num sonho alado de menina que um dia será mulher...Amada...Mãe!...
Paralelamente ,a imagem da solitária por trás do balcão,vai também aos poucos imergindo na fumaça do palheiro,na névoa que escondeu seus sonhos,na muralha que erguera-se ao redor do seu coração.