E vamo que vamo

É final de ano, tempo de curtir a virada do ano lá pela Região dos Lagos. Pra quem não conhece, a região tem a famosa Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo, Rio das Ostras e outras menos cotadas porém não menos belas. Nada resta das antigas vilas de pescadores com suas casas de salgar, seus pequenos barcos à vela e a tranqüilidade das areias fartas e praias desertas. Em Rio das Ostras o movimento é de tal ordem que eu evito até sair muito nesse período, mas hoje eu tive que ir ao centro para comprar encordoamento para o meu violão. Montei na velha e boa bicicleta e saí. Nove horas da matina e a malta já estava nas ruas, biquines, shorts, bonés, saídas de praia e muito converse. Periquitos no periquiteiro não fazem tanto barulho. Quanto mais eu me aproximava do centro de Rio das Ostras, menos o trânsito fluía. Carros parados, portas abertas para aliviar o calor e o consumo de combustível pelos aparelhos de ar condicionados, muita buzina – como se buzinar colocasse ordem na balbúrdia – e muit xingamento. O caos parece que está no cronograma dos que vem festejar e descansar. Não pude evitar o riso ao ver o mesmo tumulto de todo ano. Imaginem. O cara coloca a família dentro do carro, mais cachorro, bicicleta, bóias, caixas de isopor com sucos refrigerantes e sanduíches. É tudo alegria na hora de partir, do Rio de Janeiro, por exemplo, só cento e cinqüenta quilômetros de distância. E lá vão eles atravessando a cidade. Já na pista que dá acesso à ponte Rio-Niteroi começa o engarrafamento. Que meleca, todos tiveram a mesma idéia, sair às cinco da manhã para evitar o tumulto. Não adiantou, mas tudo é festa. E vamo que vamo. No início da ponte o filho do meio tem vontade de fazer xixi mas, é impossível parar; estava o carro na faixa central. O menino não se aperta, faz xixi na bermuda e encharca o banco do carro. E vamo que vamo. Uma hora e cinqüenta minutos depois estão no pedágio. Tomara que na saída da ponte o trafego flua melhor. Ledo engano. É primeirinha marcha e olhe lá. Ar desligado e janelas abertas pra economizar, tudo é festa, nada de resmungar. - Mãeeeeee, vou pegar um refri . – Vai não, acabamos de sair de casa, pode esperar. – Mas to com sede, mãeeeee. – Pára de gritar, menino, pega o refri mas sabe que se acabar com a sua cota antes da hora, vai ficar no perrengue, né? E vamo que vamo. Duas horas e meia depois e estão na Rio-Manilha e o engarrafamento é o mesmo. Tem carros parados ao longo do acostamento, gente fazendo pic nic, cantando, outros apenas se refrescando e a maioria maldizendo a repetição do inferno do ano passado. E ele tinha jurado que nesse ano iria para o piscinão de Ramos, muito mais perto. Três horas mais tarde, finalmente chegam ao Graal, rede de lanchonetes de muito boa qualidade, o chefe da clã tenta encontrar um estacionamento mas teve que se contentar em parar cento e cinqüenta metros distante. Todos descem, todos menos a filha de doze anos que chora convulsivamente. – O que foi, filha? – Não sei, mãe. To toda manchada de vermelho. – Hem? Ham? Deixa eu ver. – Não, não vou sair daqui, aliás, não vou sair daqui nunca mais. – Filha, você deve ter menstruado, isso é natural. – Natural? To ensangüentada e isso é natural? Não saio daqui e pronto. Então vamos embora, pra chegar logo em Rio das Ostras. – Falta muito, pai? É o filho mijado quem pergunta. – Falta um tanto ainda e, se você se mijar de novo te largo no caminho. Pronto, agora eram dois chorando. E desafinados. A mãe em silêncio, alimentando no peito o filho de oito meses. E vamo que vamo. Ao passarem pela entrada de Cabo Frio, duas hortas e quinze minutos depois, finalmente o trânsito desafoga um pouco e o chefão acelera . - Graças à Deus, em boa hora. É que o filho mais novo acabara de fazer cocô na fralda e o vento se encarregou de levar o mal cheiro de dentro do carro, mijado, menstruado e cagado. Mas tudo é festa. E vamo que vamo . Quinze horas e quarenta minutos depois eles chegam em Rio das Ostras . Pensam que acabou? Não acabou. No cruzamento onde eles teriam que entrar dois carros se beijaram e foi nesse ponto que os encontrei e fiquei sabendo da aventura. A menina ensangüentada segurando com força o p... m.... e gritando “ Nunca mais, nunca mais saio desse carro. Tudo isso, sem contar as praias cheias onde terão que disputar alguns centímetros de areia escaldante, isto é, se conseguirem desgrudar a menina do p... m....fila do banco para tirar um dinheirinho que não trouxeram para se prevenir de assalto na estrada. Primeiro de tudo, porém, é lavar o carro e tirar a nhaca, pedaços de sanduba e a filha menstruada Mas está no roteiro. Se tudo der muito certinho não tem graça. O piscinão de Ramos fica pro ano que vem. E vamo que vamo. Feliz 2010