Até nunca mais meu amigo
O Manezinho tirou do guarda-roupa o seu melhor terno; se perfumou todo, e antes de ir para a casa do Molina, ligou para o Waldemar perguntando se ele também iria.
----Eu já estou pronto! Espero-te ali em frente à igreja! –Respondeu o Waldemar.
----Tá legal! Daqui uns quinze minutos eu chego lá!
O Manezinho desligou a televisão, que deixara largada as moscas enquanto tomava banho. Prostrou-se diante do enorme espelho que havia em seu quarto, deu mais uma ajeitada na gravata, aprumou o topete com as pontas dos dedos, endireitou a camisa para dentro da calça, afrouxou o cinto, mudando o pino da fivela para o buraco da frente, e depois de lustrar os sapatos com uma escova de cor marrom, olhou-se mais algumas dezenas de vezes no espelho antes de sair para encontrar-se com o Waldemar.
----O que? Tá bonitão em meu! –Brincou o Waldemar assim que avistou o Manezinho chegando todo cheio de teretetê.
----É lógico! Talvez seja a última vez que a gente veja ele!
----Que dia que ele vai morrer mesmo? –Perguntou o Waldemar.
----Eu conversei com a mãe dele ontem, e ela me disse que já está tudo certo para ele desencarnar na próxima quinta-feira! –Respondeu o Manezinho.
----E eles já sabem qual vai ser a causa?
----Ela não sabe ainda direito! Mas parece que ele vai ser atropelado! –Respondeu o Manezinho.
----Caramba! Atropelado? –Resmungou em voz alta o Waldemar.
----É! Mas eles ainda não têm certeza. O pessoal do desencarne não gosta muito de dar esse tipo de informação, que é para não gerar tumulto. –Falou o Manézinho
----É mesmo! Já teve vez de vazar informação e ai virou uma bagunça danada no local onde o cara ia sofrer o acidente. Apareceu gente de todos os lados querendo ver o sujeito morrer. –Argumentou o Waldemar.
----Vamos dar uma apressadinha que está com jeito de chuva, e eu não estou a fim de molhar o meu terno novo! –Argumentou o Waldemar.
Apressaram os passos, enquanto conversavam a respeito da morte do Molina. Depois de uns quinze minutos de caminhada chegaram à casa do amigo. Bateram palmas e ficaram esperando alguém vir atender. Uma senhora de blusa florida em tons vermelho e azul, e bermuda lilás, veio até o portão atender. Era a mãe do Molina.
----Oi Dona Rosa! Boa Tarde! O Molina está? --Perguntou o Manezinho.
----Está sim! Podem entrar! Ele está lá nos fundos cuidando dos passarinhos! –Respondeu Dona Rosa.
----Quem tá ai mãe? –Perguntou o Molina.
----É o Manezinho e o Waldemar! –Gritou Dona Rosa, lá do portão.
----Fala prá eles que eu estou aqui nos fundos!... Manda-os entrarem!
----Já estamos indo! –Gritou desta vez o Waldemar.
O Waldemar e o Manezinho entraram, e acompanhados pela Dona Rosa caminharam lentamente até o fundo do quintal, onde o Molina estava limpando as gaiolas dos passarinhos.
----Tudo bem Molina? –Perguntou o Manezinho.
----Tirando as coisas ruins, o resto está bem! –Respondeu o Molina dando risada.
----Já está pronto para a viagem de retorno? –Perguntou o Waldemar.
----Fazer o que? A gente tem que ir, né meu! Quem manda é os cara lá em cima! –Argumentou o Molina fazendo cara de contrariado.
----E não adianta correr! Por mais que você tente se esconder eles acaba encontrando! Além do mais do outro lado é bem mais maneiro! Só de você não precisar mais de carregar essa carcaça já é uma grande coisa! –Ponderou o Manezinho.
----Quanto a ir para o outro lado... tudo bem! Quem é que não quer ir? O que eu não gosto é de deixar coisas inacabadas! Eu tinha começado alguns projetos, e agora vou ter que abandoná-los. E sabe-se Deus quando é que eu volto! –Choramingou o Molina.
----Dá última vez que eu retornei para o plano espiritual, fiquei quase quinhentos anos para voltar ao plano terrestre! –Explicou o Waldemar.
----Eu também fiquei mais ou menos esse tanto de tempo! E prá falar a verdade eu não estava querendo muito voltar para cá não! É que eu tinha uns débitos para saldar de umas cagadas que eu fiz no reencarne anterior, e por isso fui obrigado a vir com essa saúde de merda que eu tenho hoje. Mas é bom assim, porque a gente aprende a ficar esperto com as coisas erradas que gostamos de fazer. ---Falou o Manezinho.
O Molina, depois de ter limpado as gaiolas, abasteceu de água as canequinhas, colocou alpiste nos cochinhos e pendurou as gaiolas próximas ao beiral do telhado.
----Tem um desgraçado de um gato que anda rodeando as minhas gaiolas. O mês passado, não sei como, ele conseguiu apanhar um dos meus sabiás. –O Molina ajeitou uma das gaiolas que estava torta na parede e continuou a conversa—Eu tinha ido à papelaria comprar um papel de presente, e quando voltei encontrei as penas esparramadas pelo quintal.
----Tem que tomar cuidado! Se deixar as gaiolas em lugar fácil dele alcançar, ele pega mesmo! Gato é um bicho ligeiro que só a porra! – Alertou a Waldemar.
----Eu deixei um tijolo de jeito ali perto do muro, se ele aparecer por aqui eu vou dar-lhe uma tijolada tão bem dada no meio da costela que ele não vai voltar nunca mais!
Dona Rosa chamou os três para tomarem um cafezinho. O Waldemar que fumava quase três maços de cigarro por dia, e que já tinha sentido o cheiro do café sendo passado no coador, abriu um sorriso que quase chegou à orelha.
----Dona Rosa... só para a senhora não ter o trabalho de oferecer de novo, eu vou aceitar! –Brincou o Waldemar, já ajeitando o maço de cigarros no bolso da camisa.
----Caramba Waldemar!... Você ainda não parou com essa merda desse cigarro! –Indagou o Molina.
----Parar para que? Eu já sei que vou morrer disso mesmo! –Respondeu o Waldemar.
----Tudo bem! Só que quando chegar o momento de voltar para cá outra vez, você terá que retornar com um monte de complicações respiratórias; asma, bronquite, falta de ar e mais uma porção de coisas. E tudo isso, só para não se tornar outra vez dependente dessa droga! –Retrucou o Manezinho.
Dona Rosa tornou a chamar por eles:
----Se vocês não vierem logo, o café vai esfriar!
----Já estamos indo Dona Rosa! –Respondeu o Manezinho.
Entraram; e enquanto tomavam o café, continuaram conversando sobre outros assuntos. Dona Rosa acomodou-se na sala e continuou com o seu tricô. Vez ou outra desviava os olhos para televisão, entretendo-se com algum noticiário.
A certa hora o Manezinho olhou para o relógio pendurado na parede da cozinha e arregalou os olhos.
----Caramba! Já vai dar Dez horas? Eu tenho que pegar a minha filha no colégio! –Gritou ele.
----Que horas ela sai? –Perguntou o Molina.
----Dez Horas! –Respondeu o Manezinho.
----Faltam quinze minutos! Esse relógio está um pouco adiantado! –Gritou a Dona Rosa lá da sala.
----Então eu já vou indo! Daqui até colégio onde ela estuda da uns dez minutos! –Argumentou o Manezinho.
Despediram-se de Dona Rosa e desceram pelo corredor, acompanhados pelo Molina que os levou até o portão. O Manezinho o abraçou fortemente.
----Bom Molina... se a gente não se vir mais... uma boa sorte lá do outro lado.
----Obrigado Manezinho! Espero por vocês lá!
O Waldemar também o abraçou, e depois lhe beijou o rosto.
----Manda um abraço para o pessoal! Avisa que a qualquer hora eu apareço por lá!
----Valeu! Obrigado pela visita! E se a gente não se vir de novo, uma boa sorte para vocês também! E que Deus vos ilumine!
O Molina ficou observando os dois que sumiam lá em cima no fim da rua. Balançou a cabeça ao perceber que o Waldemar havia acendido outro cigarro.
----O Waldemar não tem jeito mesmo! –Murmurou baixinho o Molina, olhando para o céu, que se bordara de estrelas naquela noite.