Coerência

A cidade era pequena e um pouco distante da capital e o casal estava pronto para ir festejar o Natal na casa da filha, que viria buscá-los. Verificaram portas e janelas várias vezes, mais para ajudar a passar o tempo do que para corrigir possível esquecimento; janelas e portas devidamente trancadas. Uns minutos depois a filha chega e lá se vão os três se juntar aos outros familiares. Quinze minutos e uns vinte e cinco quilômetros depois o velhinho deu um tapa na testa, daqueles, tipo “lembrei” ou “ esqueci”. E tinha esquecido mesmo.

- Esqueci o panelão no quintal. Vamos voltar.

- Não mesmo, pai, já está anoitecendo e é melhor seguirmos.

O velhinho concordou, não muito, mas concordou. Ao chegarem a animação já era grande. A família é pequena mas animada. Panelão já caira no esquecimento. No dia seguinte,como em todos os anos, foi feito o “enterro dos ossos”. O que sobrou do pernil da véspera transformou-se num arroz de carreteiro estilizado, vinho, refrigerante e, de sobremesa, rabanada, claro. O final da tarde indicava a hora de voltar para casa. Chegaram no finalzinha da tarde e a filha que agora tinha a companhia do marido desceu para um cafezinho e uma última conversa fiada. Depois de colocar a água no fogo a velhinha foi para o quintal. Sextosentido?. Demorou pouco e voltou com um sorriso enigmático nos olhos e lábios. Não disse uma palavra, pegou no armário uma tampa enorme de panela e já voltava para o quintal quando o marido perguntou

- Aonde você vai com essa tampa?

- Vou colocar no quintal

- Mas pra quê?

- Pro ladrão levar

- Que ladrão, mulher?

- O que levou o panelão

- Levou?

- Pois é. E como ele vai cozinhar num panelão sem tampa?

A filha nem ousou dar pitaco, apenas sorriu.

(Mais um caso real dessa familinha bonita)