Um Fio de Cabelo

Pela manhã, depois do café, Dona Maria foi pegar as roupas sujas da casa para lavar. Não havia tanque, as roupas eram lavadas numa bacia. As mais sujas precisavam ficar um bom tempo de molho. Por isso, ela as levou para área de serviço que ficava nos fundos da casa e ali, sentada numa cadeira foi separando-as uma a uma.

À sua frente, desfilavam diversas peças, saias, blusas, camisas, calças, cuecas, vestidos e bermudas. Súbito, avistou um fio de cabelo loiro, enroscado no botão de uma das camisas do marido. Atônita, não podendo acreditar no que via, esfregou os olhos com as costas da mão, abrindo-os mais ainda, constatou que o fio de cabelo loiro continuava lá. Um pensamento terrível permeou a sua cabeça que se encheu de tristeza, desconfiança e ciúmes... Sentiu-se infeliz. Quem diria... “Ele me traindo! Desgraçado! Quem mais amo na vida.’ Que desgosto!”

E, quanto mais ela afundava nos seus pensamentos sombrios, mais injustiçada se sentia. A dor subindo e ameaçando explodir. A sensação era como se seu coração despencasse ladeira abaixo, sem freio. Uma mão de ferro lhe comprimiu o peito como num infarto e pensou até que iria morrer ali naquela hora. Mas não morreu. Cheia de indignação continuou nas tarefas que havia começado, e quando terminou, estava mais calma.

À mesa, na hora do almoço, entre uma frase e outra, a dor lhe veio à garganta, e ela pensou em perguntar ao marido:

- Não há mais lugar para mim na sua vida, não é?

Quase engasgou. Sentia de novo o anseio, o suor frio, o coração batendo em tumulto. Não teve coragem de perguntar. Então, procurou disfarçar o sentimento de raiva que tomava conta dela. Lembrou-se de como nos primeiros anos de casado, ele a surpreendia quase que diariamente. Uma fala elogiosa. Um jeito diferente de amar. Um sorriso conquistador e jeitoso de quem sabia deixá-la submissa aos seus encantos. Os anos se passaram e vieram as mudanças! Agora descobre que ele a estava traindo.

Engoliu a comida e desta vez furiosamente, como se fosse a ultima de um condenado à morte. Dói isto, justo ele! Em quem tanto confiava. Mesmo assim, não ia lhe dizer absolutamente nada.. Tem coisa que é melhor não falar, senão vira um bicho de sete cabeças. Esforçou-se para disfarçar sua agonia, enquanto tentava se convencer de que aquela traição já acontecia faz tempo, e que só agora descobrira por causa daquele fio de cabelo loiro. Saiu da mesa desejando que as filhas não notassem sua tristeza. Que não percebessem sua raiva.

Seu marido foi sentar-se na sala, no sofá. Ela não queria conversar com ninguém. Nem com as filhas. Não tinha vontade de falar nada. Atravessou o corredor e foi direto para seu quarto. Soluçou. Não conseguiu conter o choro, tinha vontade de morrer.

Enxugou suas lagrimas, no momento em que suas filhas mais velhas entraram no quarto, queriam saber o que estava acontecendo para ela ficar daquele jeito. Criou coragem e contou o que viu e comentou com elas das suas suspeitas. Agora tinha a prova. Não restava mais duvida, seu pai a traía há muito tempo.

Doralice, a filha caçula, entrou no quarto. A cabecinha loira brilhava a luz da lâmpada. Aproximou-se dela devagar e sentou-se na beirada da cama. Aconchegou-se ao colo da mãe, sobre suas pernas. Ela ficou olhando o rosto da filha, numa expressão amargurada. Alisou seu rosto quente e passou a mão pela sua cabeça dourada, dizendo:

-- Seus cabelos estão muito compridos. Vá lavar a cabeça para sua irmã cortá-los. Curtos, ficarão bem melhores e mais bonitos.

A menina sorriu e falou:

--É mesmo, mamãe! Ontem meu cabelo enroscou no botão da camisa do papai e deu um trabalho danado para tirar. Deve ser porque está muito grande.

Dona Maria suspirou profundamente e sorriu. Viver ainda valia a pena.