Dentadura Voadora

Em alguns momentos de nossas vidas acontecem fatos inesperados que deixam indeléveis lembranças, as quais nos acompanharão por toda nossa existência.
É óbvio que, para alguns, elas foram menos profundas, porém sempre serão recordadas entre aqueles que delas participaram, tiveram conhecimento ou que, de uma forma ou de outra, procuram conhecê-las.

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Estava muito frio e a madrugada ia sendo devorada aos poucos, sem pressa, fazendo com que o pequeno número de pessoas que frequentava aquele Plantão Policial, naquele momento, sentisse os rigores daquele inverno que estava se iniciando.
É lógico que alguns dos presentes ignoravam o frio que fazia, pois as grandes goladas de aguardente que haviam ingerido serviam de agasalho, mas quem não fizera uso deste expediente se encolhia ou circulava de um lado para o outro.
O nosso personagem, Zé Maurício, muito conhecido nos meios policiais, fazia parte do clã dos “Pés de Pato” e acompanhava um dos integrantes da família que havia sido preso, juntamente com outros companheiros, pela prática de furto e desordens no pátio da FEPASA, defronte a Estação Rodoviária.
O Delegado de Polícia da época, 1987, ultimava os preparativos para que o flagrante fosse realizado, enquanto a vítima e testemunhas se agitavam, no salão da Delegacia de Polícia.
Para os “Pés de Pato”, tudo aquilo era normal: Delegacia de Polícia, prisão, frio, cadeia, etcetera, mas, para as testemunhas e vítima, pessoas trabalhadoras, honestas, tudo era constrangedor, diferente e sobretudo irritante.
O “nosso” personagem estava “pra lá de Bagdá”, após tanta cachaça que havia bebido, circulando de um lado para o outro e pregando, em altos brados, a “inocência” do seu “querido sobrinho”.
– Tenha dó, seu dotô. O “meu” menino é gente boa, não passou a mão na sacola da muié, não. O senhor tem que prender é ela, que está difamando a “nossa família”.
Essa ladainha durou um bom tempo, ora irritando os presentes, ora arrancando um sorriso naqueles rostos sisudos e açoitados pelo ventinho frio que circulava pelo salão e corredor da Delegacia.
Na sala do escrivão, o frio dividia o espaço com o calor dos corpos ali presentes e com o bafo de cachaça e desodorante vencido, até que os berros do Zé Maurício passaram a atrapalhar os trabalhos.
De repente, alguém deu um grito atrás do Zé Maurício e ele, com o susto que levou, acabou expulsando a dentadura para fora da boca, tendo ela percorrido toda a extensão do corredor, como fosse uma malha, indo parar nos pés justamente do Delegado.
Foi gargalhada para todo lado, principalmente quando o Zé Maurício saiu correndo, gritando:
– Segura a bicha, home! Segura a bicha!
Após recolocar a dentadura, o alcoolizado Pé de Pato dizia:
– Essa danada parecia que tinha perna na hora que pulou fora da minha boca. Agora vou fechar a boca e quero ver ela “pinotear”,
O resto da noite foi tranquilo. Todos esqueceram o frio e os rostos voltaram a sorrir.
Escritor Paulista
Enviado por Escritor Paulista em 14/12/2009
Código do texto: T1978239
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