O Dia Que Fui Profeta
O dia amanheceu como todos os outros no verão de um país tropical igual ao Brasil. Tão normal que eu não me lembro de nada o que aconteceu, enquanto o sol ainda raiava.
Mas, quando anoiteceu, lembro-me muito bem o que se sucedeu: eu pus uma das minhas melhores roupas, porque eu tinha uma reunião importantíssima; porque eu tinha um compromisso; porque queria falar com Deus. Falar com Deus não é a mesma coisa que falar com um amigo terreno. Deus nos compreende em cem por cento e nos ajuda não no momento que queremos ou esperamos, mas sim no momento certo.
Então, minha esposa e eu fomos para aquela igreja Assembléia de Deus do Ministério de São Miguel Paulista, que se localiza na Via Margarida, um bairro do Município de Ferraz de Vasconcelos, São Paulo, capital.
Minha sogra levou meu filho com ela para a igreja O Brasil Para Cristo, pois era mais perto para ela que tinha problema nos ossos, por isso andava mancando e se queixando de dores fortíssimas nos joelhos e nos ossos de duas pernas, enquanto minha mulher e eu fomos para a igreja onde congregávamos.
A noite estava muito quente e os jovens passavam velozes com suas motocicletas, aproveitando o calor e as moças seminuas que desfilavam nas ruas periféricas de Ferraz, como se estivessem numa passarela na Europa, em algum desfile de alguma grife famosa. E eles as galanteavam, elas gostavam, porque o elogio subia para a mente e o ego estufava, numa verdadeira vaidade humana. Minha mulher fazia comentários – estes sempre críticos – em relação à semi-nudez das garotas, porque ela, mesmo tendo uma cintura perfeita – e não é porque ela é minha esposa que faço este comentário – e um abdome perfeito não ficava se mostrando, como se fosse um manequim em alguma vitrina. Assim, dizia que era vulgar demais, coisa de mulher depravada e totalmente sem escrúpulos, vergonha ou senso.
Com senso crítico e justo pelos conhecimentos bíblicos que adquiri em minha infância, adolescência e juventude, não poderia discordar dela, mesmo que a falha humana de querer visualizar um corpo jovem e belo viesse vencer o meu espírito contrito em que se encontrava àquela noite.
Ao chegar à igreja, ela ainda não estava completamente cheia – uma falha humana nesse tipo de reunião –, coisa que deu para nós tomarmos o acento preferido que nós dois estávamos acostumados: era a segunda fileira de bancos do lado da parede. Esses bancos eram de frente para o púlpito. À frente tinham uns bancos que eram virados de lado. Neles se sentavam as irmãs do Círculo de Oração. À frente delas o grupo da mocidade da igreja. Ao lado da mocidade a orquestra e ao lado da orquestra os músicos que tocavam bateria, contrabaixo, guitarra e teclado. E à frente dos músicos e ao lado das irmãs do Círculo de Oração estava o grupo de adolescentes da igreja. Assim a maioria dos grupos de louvores da congregação ficava: um de frente para o outro.
Minha mulher e eu estávamos na nave da igreja, na segunda fileira de bancos, onde se concentravam os irmãos, que se olhando da porta da igreja para dentro seria o lado esquerdo. Do lado direito se concentravam as irmãs.
Como é o costume feio não só dos assembleanos, mas como também o de muitos brasileiros, os irmãos começaram a chegar após uns quinze minutos após a oração inicial do pastor. A orquestra já havia tocado dois cânticos e estava quase no fim do terceiro e ainda dava para ver espaços vazios nos bancos. Quando o pastor pegou a sua Bíblia e começou a ler a mensagem oficial daquela noite não havia tantos lugares vazios. Os obreiros já tinham que pedir a gentileza e compreensão de certos irmãos que faziam parte do corpo daquela igreja, para que cedessem seus respectíveis lugares para as pessoas que chegavam de outras denominações ou mesmo as pessoas que nos visitavam pela primeira vez, independente de crença ou religião. Isto nada mais seria do que a hospedaria digna às visitas.
Depois de alguns louvores, e o pastor já tinha a plena convicção que ninguém mais chegaria, ele começou a apresentar os visitantes como era o costume. Os chamando por seus respectíveis nome um a um se levantava para a igreja os conhecer e cumprimentá-los com um “seja bem vindo e volte sempre” uníssono. Porque agora a igreja estava cheia. A festa que havia começado há meia hora estava repleta de seus convidados.
Eu estava observando o movimento dentro do templo: as crianças já haviam cantado e levadas para uma parte superior, fora do átrio, mas ainda dentro do terreno da igreja, para serem disciplinadas e discipuladas na devida forma. Isto, além de elas aprenderem mais, fazia com que os irmãos não se desconcentrassem e sofressem qualquer tipo de distração causada por elas. Alguns jovens conversavam entre si e eu não sabia o porquê de tanto assunto e ti-ti-ti. Outros estavam compenetrados. Outros estavam ledos cantando os louvores mais belos a Deus. As irmãs que estavam na nave da igreja ao nosso lado direito engrandeciam ao Todo Poderoso Elshadai. Ao fundo do templo um irmão bradava de vez em quando umas aleluias e umas glórias a Deus, que de tão altas chegavam a tirar a minha concentração. No primeiro banco do grupo do Círculo de Oração havia uma irmã muito fervorosa que falava num idioma muito bonito. Eu a via, mas ela não me via, pois estava de costas para mim. Quando a voz dela se tornava audível para todos por causa do silêncio que fazia vez por outra, todos se alegraram e exaltavam a Deus. E aquilo enchia a minha alma de gozo.
Foi então, que comecei a fazer a minha oração sincera a Deus. Comecei baixinho, pedindo perdão dos meus pecados e delitos. Sabia que não era merecedor e por isso não conseguia me perdoar. Parecia que o inimigo da minha alma estava trabalhando em minha mente, para que eu não recebesse a vitória. E eu precisava do perdão Divino. Naquele momento de oração comecei a pensar no sofrimento de Jesus lá na cruz do calvário: os xingamentos, as vaias, cuspes, humilhações, chibatadas... Lembrava-me de um louvor que dizia:
Pregos nas mãos
Pregos nos pés
Jesus está chorando
E vendo eu que tudo é por mim
E não me controlo,
Por isso choro...
As lágrimas pendiam dos meus olhos e lavavam meu rosto. Porque agora eu via Jesus transformado assentado à destra de Deus. Suas vestes brancas, seu rosto claro como o sol em sua maior força... E tudo tinha sido por mim, um fraco pecador:
- Senhor acolha essas lágrimas em sua taça. Somente o Senhor para entender o porquê do meu pranto. Somente o seu Santo Espírito tem o poder de me consolar neste momento. Somente tu que podes me perdoar e colocar em meu coração um novo júbilo... Somente tu Senhor.
Colocar Deus sobre todas as coisas é a coisa mais certa a se fazer. Colocá-lo como a pedra angular em nossa vida... Naquele instante eu fui contemplado. Meu coração se encheu de tal alegria sobrenatural e tudo ao meu redor se fechou. Naquele átimo era somente Deus e eu. E eu O enaltecia com fervor e sinceridade de espírito. A alegria que o Espírito Santo me proporcionava naquele momento era a prova de que havia sido perdoado e de que eu era um verdadeiro adorador. Eu estava branco como a neve, puro. Eu me sentia alvo. O sangue de Jesus tinha este poder em mim porque eu O aceitava. Minha esposa ainda falava com Deus em um tom de voz baixo. Num breve instante olhei para ela, ela estava chorando. Foi aí que eu me alegrei mais, pois ela também estava tendo um contato com o Criador. E por que eu não haveria de me alegrar com a alegria de minha carne? Saber que minha esposa estava contrita era um bálsamo para mim.
Então comecei a bradar firmemente, pois não estava conseguindo me controlar e todos conseguiam me ouvir dizer:
- Santo, santo, santo, santo...
E não parava:
- Tu és fiel Senhor! Tu és fiel Senhor! Porque a tua benignidade é para sempre!
E mudava para outra frase vez ou outra:
- Glória e louvores somente a ti, Senhor. Porque somente tu que merece toda honra, glória e louvor. Aceite minha adoração, meu louvor e gratidão em nome do Seu Filho Jesus que reina e vive para todo o sempre.
Percebi que a carne do meu corpo tremia. Eu estava parecendo uma vara verde tremendo com a ventania. Meus lábios estavam se secando de tanto que eu adorava. Minha língua se enrolou e eu comecei a falar na língua dos anjos. Bradava. Há mais de quinze anos eu havia sido batizado com o Espírito Santo. Há mais de oito anos eu havia recebido uma profecia de um irmão numa igreja Assembléia de Deus do Ministério do Ipiranga quando eu ainda morava no bairro do Ipiranga, que me disse com tenacidade:
- Você passará por provas, mas não se preocupe, porque ao fim delas você irá cantar – e saiu glorificando a Deus no meio do templo.
Eu havia ficado sem entender nada naquele tempo. E realmente eu tinha passado por provas duras. Havia perdido meus amigos, parentes, pastor e congregação por causa da distância. Isto me fez cair numa tristeza incógnita, profunda e solitária, onde eu só tinha paz quando estava na igreja glorificando a Deus. Na época minha namorada também havia me deixado. No entanto, eu tinha me casado com uma pessoa especial, preparada por Deus que supriu muitas das minhas necessidades como: amizade, companheirismo e amor. Ou seja, já tinha a vitória. O único problema é que ainda eu não sabia.
Tudo passava como um flash em minha memória. E eu me alegrava muito na presença do Todo Poderoso. Ouvi palmas. Uma irmã morena do Círculo de Oração se levantava de seu acento e batia palmas. Eu sabia que era a adoração dela, que não era aquilo que chamamos de meninice. Meninice é quando uma pessoa começa a dançar, bater palmas, pular ou coisas parecidas na igreja, simples e por vontade própria e não impulsionadas pelo Espírito. Outra irmã fazia o mesmo. Um jovem cheio do Espírito Santo pulou de sem banco e andou com os braços abertos no meio da congregação falando em línguas. Ele estava muito feliz. No púlpito o pastor chorava feito uma criança, pois também estava sendo agraciado. Suas ovelhas estavam caminhando para o céu.
Eu que falava em mistério com Deus fui impulsionado a cantar na língua dos anjos. E comecei a cantar um hino de guerra. Nunca havia escutado aquela melodia na minha vida. Eu agora me tornava num soldado do Todo Poderoso. Não fui covarde! Levantei-me do meu acento assim como aquele jovem, mas com uma autoridade bem diferente da dele que só O enaltecia, e comecei a marchar na igreja. Pisava forte no chão. Os braços e pernas mexiam sincronizadamente e eu parecia que estava em alguma milícia há muito tempo de tão perfeita que era a minha marcha. E cantava em línguas. E o hino era de guerra. Os irmãos me olhavam com olhos esbugalhados e aos poucos eles foram se calando – mas não foi por completo – para ouvir o que eu estava dizendo, coisa que deu muito bem, porque eu bradava em alto e bom som.
Fitei o filho do pastor à frente do púlpito. O teclado em sua frente, pois ele era músico. Mas ele parecia não possuir sentimento algum. Parecia uma vara seca.
Ainda marchando eu batia palmas.
Quando voltei em direção do púlpito senti de Deus de impor minha mão na cabeça dele. Eu falava no idioma dos anjos. Com certeza ele não entendeu nada, pois não houve nenhum intérprete naquele momento. Ali permaneci por um minuto mais ou menos. E quando voltei sentido à porta da frente, Deus me dava à interpretação do meu hino:
Terás vitória em nome de Jesus!
A frase era pequena, mas tinha o poder de Deus e o poder do nome: Jesus.
Após algum tempo eu fiquei sabendo que o pastor da igreja estava sendo destituído do cargo por problemas de saúde e problemas com alguns dos membros da igreja. Com certeza aquele problema havia afetado seu filho e toda a sua família. Fora uma cilada diabólica para destruir a família toda.
Depois de mais tempo eu fiquei sabendo que o filho do pastor havia passado na prova para bombeiro, que estava trabalhando, que havia se casado, mobilhado uma casa e estava muitíssimo feliz. Seu pai havia sido restituído em seu posto, mas ficou congregando na sede da Assembléia de Deus do Ministério de São Miguel Paulista.
O que sei, e tenho fé nisto é que: naquele dia Deus me usou para eu ser um profeta que profetizou a vitória, sendo que a profecia de outro irmão se cumprira em minha vida no mesmo dia, o dia em que fui profeta.
14/12/2009 19h07
Cairo Pereira