Reminiscências 10
O Negro Zé Roque
O negro Zé Roque era um descendente de escravos que vivia de fazenda em fazenda, como era de sua vontade ou sina, como diziam os mais velhos. Aparecia quando menos se esperava, ficava o tempo que bem entendia e como num passo de mágica ia embora.
Dotado de um porte físico invejável, era doce como uma criança e incapaz de fazer mal a qualquer que fosse a criatura.
A princípio, nós crianças, guardávamos certo receio daquele homem simples e estranho, não por racismo logicamente, pois sequer sabíamos o significado desse termo, mas porque era o único negro “original” que até então conhecíamos.
Lembro-me com clareza de suas passagens pela nossa fazenda no bairro Sengó.
Nos primeiros dias ele ajudava nos trabalhos de casa sob as ordens de minha mãe, a quem chamava carinhosamente de madrinha, e de meu pai que por conseqüência era o seu padrinho.
Ficava contentíssimo, quando minha mãe prometia a ele, se fizesse suas obrigações direito, ganharia uma bela camisa de “chita” ou “chitão” como era conhecido na época. E ela sempre cumpria a promessa.
Na sua simplicidade e maneira humilde, Zé Roque nos cativava e nos divertia muito, ora contando causos de seus antepassados, ora brincando de carregar a gente (as crianças) nas costas imitando um cavalinho e outras brincadeiras.
Minha irmã Dora, por ser muito clarinha, ele a chamava de pombinha branca.
Alguns se aproveitavam de sua inocência a aprontavam algumas brincadeiras com ele. Meu pai e meus irmãos mais velhos, por exemplo, pediam a ele que fosse numa bica próxima buscar água, só que dava a ele um enorme escorredor de macarrão de alumínio.
Zé Roque voltava da bica com o escorredor vazio e reclamava que não dava tempo de chegar à cozinha com a quantidade de água solicitada.
Mas diante de nossa insistência ele repetia a tarefa, desta vez mais depressa, porém em vão.
Acredito que ele fazia tudo aquilo, justamente com o intuito de nos divertir, tanto é que ele próprio dava altas e boas gargalhadas.
Quanta inocência e saudades!!
No entanto, quando menos se esperava, o negro Zé Roque “ia embora”. Dizia aos meus pais que seu destino era andar. Ficávamos muito tristes com a sua partida. As vezes nos chegava notícias de que ele estava em outra fazenda ou até mesmo na cidades próximas, por ocasião de festejos e comemorações.
Mesmo após termos mudado para Delfim Moreira, tínhamos notícias de seu paradeiro, até que um dia, viemos saber que ele havia falecido na cidade próxima de Itajubá.
Por se tratar de uma alma simples, inocente e alegre, esta lembrança é uma das mais marcantes do meu tempo de infância. Zé Roque era verdadeiramente especial!.