DO PORCO E DO EMBUSTEIRO
DO PORCO E DO EMBUSTEIRO
“Eles podem nos negar instituições sérias, norteadas para os interesses da coletividade, podem nos tirar até o ânimo de lutar para tê-las, porém, não podem nos tirar a criatividade de sonhar com elas”
DO PORCO E DO EMBUSTEIRO
“Eles podem nos negar instituições sérias, norteadas para os interesses da coletividade, podem nos tirar até o ânimo de lutar para tê-las, porém, não podem nos tirar a criatividade de sonhar com elas”
Nós, horbingerianos, somos um povo afortunado. Além do sol, simpatia e da solidariedade, temos uma classe política natural e claramente voltada para a ética e a probidade. Convivemos, --- para inveja de muitos outros povos --- senão com a menor, certamente com uma das menores cargas tributárias do planeta, imagina! A não contar isso, o pouco que pagamos ainda nos é devolvido magnânimamente na forma de excelentes políticas e serviços públicos, mormente nas áreas da educação e da saúde. Malversação? Ora, malversação! Disso nem se ouve falar! Há, portanto, convenhamos, plena satisfação confiada aos políticos, chegando à gratidão a eles no seio da sociedade. Sendo assim, caso algum dirigente ouse --- raridade por aqui --- esticar a corda dos tributos, não encontrará irresignação tampouco contestação em seus dirigidos.
Sempre foi, é, e ...
Como poderão notar, a narrativa seguinte é extemporânea; exceção da boa regra. Tenho dito.
Tempos atrás, contou-me um compadre baiano, existiam ou ainda existem? na divisa Bahia/Goiás, dois municípios limítrofes, cujas cidades estavam separadas por duas dezenas de quilômetros. Experimentavam, ambas, crescente e rendoso comércio de suínos, envolvendo tanto porcos vivos quanto abatidos. As transações corriam a favor do vento trazendo progresso e satisfação para os dois lados. O dinheiro corria solto, movimentando o comércio, enriquecendo as famílias e respondendo pela instalação de novas agencias bancárias.
Na contramão da decência e dos bons costumes então vigentes, --- como vimos acima --- o “intemerato” alcaide de uma delas, movido pela orientação paternalista que imprimia ao município, sentia-se desimpedido a imaginar vontades e a realizar caprichos. Assim, à vista de embolsar comissão de 30%, o prefeito resolveu construir uma imprescindível fonte luminosa na praça central da cidade. Idealizada a ser forrada por mármore de Carrara, imaginaram também incrustar-lhe, em relevo, luxuosos painéis cerâmicos de Toledo, os quais sobressairiam sob ação da sofisticada iluminação que, por seu lado, acompanharia o refluxo colorido das águas. Detalhes bem ao gosto para engabelar a patuléia e, naturalmente, dar uma mão à sua comissão previamente acertada. Obra deveras importante.
Indagado da procedência dos recursos, o prefeito não titubeou :
--- Os porcos financiarão!
Não foi difícil. Vindo de quem vinha, logo valores morais menores avivaram o poder impositivo do município à custa de seus valores maiores. Normas Constitucionais e questões legais do Direito Tributário, como não poderiam deixar de ser, foram solenemente ignoradas a pretexto da recorrente governabilidade, mas, a propósito dela, via decreto municipal, acharam não um, mas vários motivos para conceder aumento salarial para a vereança. Não passaram dias estava tudo sacramentado, arrumadinho: transporte, abate, comercialização da carne, venda dos subprodutos etc, o que se referisse a porcos, pagaria a nova taxa municipal.
Conforme o urdido, a tramóia andou às mil maravilhas até as vésperas de funcionar as tais leis de mercado. A taxação onerou os produtos suínos da cidade e, em conseqüência, florescia paralelamente o comércio clandestino, com maior demanda pela produção da cidade vizinha, em detrimento das arcas municipais de cá.
Emperrou-se, de modo, a construção da fonte atraindo as iras do primeiro mandatário.
Era preciso, pois, uma providência. Reunidos, Prefeito e Secretário de Finanças concluíram necessitar, num primeiro plano, de fiscalização específica para o cumprimento da obrigação. E assim providenciaram. Os mais renitentes, ao custo de um agradinho aqui, uma propina ali, foram conseguindo ludibriar a vigilância de prontidão; tais atos, prolongaram a mamata, forçando as autoridades acionar o plano seguinte: prever ação mais rigorosa, levada a cabo por barreira fiscal entre as duas cidades!
“De hoje em diante”, enfatizou o nobre prefeito discursando na sua inauguração, “vocês devem prender até lingüiça de porco no pão!... Nem sanduíche pode passar sem pagar imposto”!
Ezinho Coió foi um dos que, antes da ação fiscal, muito ganhou; vindo a funcionar a barreira, muito veio a perder. Ezinho e sua caminhonete Studebacker 1954, remodelada, chegou a fazer, na clandestinidade, cinco carregamentos de suínos e derivados por dia! Cessados os lucros, apelou para a calada da noite logrando êxito nas primeiras delas, ocasião em que fiscais dormiam. Malogrou, contudo, nas seguintes, perdendo as cargas por conta da severa orientação pessoal:
--- Há um “cabra” por aqui, que vocês sabem muito bem quem é, que vem desafiando as normas fiscais transportando animais da cidade vizinha sem pagar as devidas taxas cobradas por nossa administração. Urge, então, quando flagrado, ser detido, ter seu veículo apreendido e a carga confiscada! Recomendou o próprio chefe fiscal.
O certo é que vários faziam a travessia clandestina, mas Ezinho Coió, por sua ousadia e constância, tornou-se símbolo da evasão fiscal, criando-se daí um contencioso entre as duas partes.
Ezinho bateu pé: “Já que é assim, quero ver porque não passo!”
Tinha um plano.
Arrumaram um cachaço novo, --- Ezinho e seu ajudante --- porco branco, alemão, animal criado com boa ração e capim verde, bicho espigado, chegava a ser esbelto, desses destinado a produzir carne e ossos. Deram-lhe afinal com a marreta na testa, prostrando-o; dependurado, sangraram-lhe o sovaco esperando escorrer todo o sangue. Feito isso, com aparelho de barbear e tesoura fizeram a limpeza da fuça do infeliz, enquanto a peixeira afiada livrava-o da barrigada. Limpo e costurado, meteram-lhe um folgado terno jaquetão de linho, bem ao gosto de certo ex-presidente, acomodando-o a seguir no meio do assento do veículo, cuidando a que os cambitos se mantivessem na postura humana sentada. De posse de um chapéu de aba larga cobriram-lhe a cabeça, vindo disfarçar as orelhas; óculos escuro cobriu-lhes os olhos e, finalmente, à guisa de um cachecol, enrolaram um pano em volta do pescoço. Concluíram, assim, o planejado embuste.
Satisfeitos com o resultado meteram-lhe na cabine da caminhote e, cada um, o ladeou no banco. Partiram.
A noite corria larga. Ao longe, no silêncio local, avistaram a luz esbranquiçada do lampião balançar. Sinalizavam da barreira para o veículo parar.
Reduzindo a marcha, freou junto aos dois homens que os esperavam. Cada um deles, estacionado o veículo, posicionou-se de cada lado da cabine.
Percebendo tratar-se de quem tratava, surpreenderam-se:
--- Ezinho Coió?!!! O que traz aí?...
--- Nada não, amigos.
--- Vamos dar uma olhada.
--- Fiquem à vontade.
Os dois homens saíram para a traseira da caminhonete. Descerrando parte da lona vistoriaram seu interior; olharam por baixo do veículo, verificaram o espaço entre a cabine, confabularam brevemente e voltaram. Postados, então, rente as portas, olharam demoradamente seus ocupantes e, satisfeitos, ordenaram finalmente ao motorista:
--- Tá limpo!...Pode seguir!
--- É verdade que não passa nem lingüiça de porco por aqui, seu guarda? Alfinetou Ezinho
O homem ergueu a cabeça.
--- É tentar pra ver!
--- Comigo não!... Já perdi muito... Bom trabalho! Gritou por sua vez sorrindo, acelerando a velha caminhonete sob o olhar intrigado de seu interlocutor.
--- Você viu o que eu vi, Josenildo? Disse um dos fiscais dirigindo-se ao outro.
--- O quê, Raimundim?
--- sujeito feio, homem!
--- Ah, sim! O da caminhonete? ... Parecia porco, o sujeito!
--- Num é?!!!
E recolheram-se com o sentimento do dever cumprido.
Sempre foi, é, e ...
Como poderão notar, a narrativa seguinte é extemporânea; exceção da boa regra. Tenho dito.
Tempos atrás, contou-me um compadre baiano, existiam ou ainda existem? na divisa Bahia/Goiás, dois municípios limítrofes, cujas cidades estavam separadas por duas dezenas de quilômetros. Experimentavam, ambas, crescente e rendoso comércio de suínos, envolvendo tanto porcos vivos quanto abatidos. As transações corriam a favor do vento trazendo progresso e satisfação para os dois lados. O dinheiro corria solto, movimentando o comércio, enriquecendo as famílias e respondendo pela instalação de novas agencias bancárias.
Na contramão da decência e dos bons costumes então vigentes, --- como vimos acima --- o “intemerato” alcaide de uma delas, movido pela orientação paternalista que imprimia ao município, sentia-se desimpedido a imaginar vontades e a realizar caprichos. Assim, à vista de embolsar comissão de 30%, o prefeito resolveu construir uma imprescindível fonte luminosa na praça central da cidade. Idealizada a ser forrada por mármore de Carrara, imaginaram também incrustar-lhe, em relevo, luxuosos painéis cerâmicos de Toledo, os quais sobressairiam sob ação da sofisticada iluminação que, por seu lado, acompanharia o refluxo colorido das águas. Detalhes bem ao gosto para engabelar a patuléia e, naturalmente, dar uma mão à sua comissão previamente acertada. Obra deveras importante.
Indagado da procedência dos recursos, o prefeito não titubeou :
--- Os porcos financiarão!
Não foi difícil. Vindo de quem vinha, logo valores morais menores avivaram o poder impositivo do município à custa de seus valores maiores. Normas Constitucionais e questões legais do Direito Tributário, como não poderiam deixar de ser, foram solenemente ignoradas a pretexto da recorrente governabilidade, mas, a propósito dela, via decreto municipal, acharam não um, mas vários motivos para conceder aumento salarial para a vereança. Não passaram dias estava tudo sacramentado, arrumadinho: transporte, abate, comercialização da carne, venda dos subprodutos etc, o que se referisse a porcos, pagaria a nova taxa municipal.
Conforme o urdido, a tramóia andou às mil maravilhas até as vésperas de funcionar as tais leis de mercado. A taxação onerou os produtos suínos da cidade e, em conseqüência, florescia paralelamente o comércio clandestino, com maior demanda pela produção da cidade vizinha, em detrimento das arcas municipais de cá.
Emperrou-se, de modo, a construção da fonte atraindo as iras do primeiro mandatário.
Era preciso, pois, uma providência. Reunidos, Prefeito e Secretário de Finanças concluíram necessitar, num primeiro plano, de fiscalização específica para o cumprimento da obrigação. E assim providenciaram. Os mais renitentes, ao custo de um agradinho aqui, uma propina ali, foram conseguindo ludibriar a vigilância de prontidão; tais atos, prolongaram a mamata, forçando as autoridades acionar o plano seguinte: prever ação mais rigorosa, levada a cabo por barreira fiscal entre as duas cidades!
“De hoje em diante”, enfatizou o nobre prefeito discursando na sua inauguração, “vocês devem prender até lingüiça de porco no pão!... Nem sanduíche pode passar sem pagar imposto”!
Ezinho Coió foi um dos que, antes da ação fiscal, muito ganhou; vindo a funcionar a barreira, muito veio a perder. Ezinho e sua caminhonete Studebacker 1954, remodelada, chegou a fazer, na clandestinidade, cinco carregamentos de suínos e derivados por dia! Cessados os lucros, apelou para a calada da noite logrando êxito nas primeiras delas, ocasião em que fiscais dormiam. Malogrou, contudo, nas seguintes, perdendo as cargas por conta da severa orientação pessoal:
--- Há um “cabra” por aqui, que vocês sabem muito bem quem é, que vem desafiando as normas fiscais transportando animais da cidade vizinha sem pagar as devidas taxas cobradas por nossa administração. Urge, então, quando flagrado, ser detido, ter seu veículo apreendido e a carga confiscada! Recomendou o próprio chefe fiscal.
O certo é que vários faziam a travessia clandestina, mas Ezinho Coió, por sua ousadia e constância, tornou-se símbolo da evasão fiscal, criando-se daí um contencioso entre as duas partes.
Ezinho bateu pé: “Já que é assim, quero ver porque não passo!”
Tinha um plano.
Arrumaram um cachaço novo, --- Ezinho e seu ajudante --- porco branco, alemão, animal criado com boa ração e capim verde, bicho espigado, chegava a ser esbelto, desses destinado a produzir carne e ossos. Deram-lhe afinal com a marreta na testa, prostrando-o; dependurado, sangraram-lhe o sovaco esperando escorrer todo o sangue. Feito isso, com aparelho de barbear e tesoura fizeram a limpeza da fuça do infeliz, enquanto a peixeira afiada livrava-o da barrigada. Limpo e costurado, meteram-lhe um folgado terno jaquetão de linho, bem ao gosto de certo ex-presidente, acomodando-o a seguir no meio do assento do veículo, cuidando a que os cambitos se mantivessem na postura humana sentada. De posse de um chapéu de aba larga cobriram-lhe a cabeça, vindo disfarçar as orelhas; óculos escuro cobriu-lhes os olhos e, finalmente, à guisa de um cachecol, enrolaram um pano em volta do pescoço. Concluíram, assim, o planejado embuste.
Satisfeitos com o resultado meteram-lhe na cabine da caminhote e, cada um, o ladeou no banco. Partiram.
A noite corria larga. Ao longe, no silêncio local, avistaram a luz esbranquiçada do lampião balançar. Sinalizavam da barreira para o veículo parar.
Reduzindo a marcha, freou junto aos dois homens que os esperavam. Cada um deles, estacionado o veículo, posicionou-se de cada lado da cabine.
Percebendo tratar-se de quem tratava, surpreenderam-se:
--- Ezinho Coió?!!! O que traz aí?...
--- Nada não, amigos.
--- Vamos dar uma olhada.
--- Fiquem à vontade.
Os dois homens saíram para a traseira da caminhonete. Descerrando parte da lona vistoriaram seu interior; olharam por baixo do veículo, verificaram o espaço entre a cabine, confabularam brevemente e voltaram. Postados, então, rente as portas, olharam demoradamente seus ocupantes e, satisfeitos, ordenaram finalmente ao motorista:
--- Tá limpo!...Pode seguir!
--- É verdade que não passa nem lingüiça de porco por aqui, seu guarda? Alfinetou Ezinho
O homem ergueu a cabeça.
--- É tentar pra ver!
--- Comigo não!... Já perdi muito... Bom trabalho! Gritou por sua vez sorrindo, acelerando a velha caminhonete sob o olhar intrigado de seu interlocutor.
--- Você viu o que eu vi, Josenildo? Disse um dos fiscais dirigindo-se ao outro.
--- O quê, Raimundim?
--- sujeito feio, homem!
--- Ah, sim! O da caminhonete? ... Parecia porco, o sujeito!
--- Num é?!!!
E recolheram-se com o sentimento do dever cumprido.