NA FOTO COM NIEMEYER

Entrei numa escalação para ir participar de curso sindical, durante quinze dias, em Brasília. Do nosso Estado éramos apenas dois participantes, representado a categoria do magistério. Curso sério e rico, em conteúdo, do tipo seminário, nada menos com três entidades internacionais envolvidas: Confederación Mundial del Trabajo (CMT), Central Latinoamericana de Trabajadores (Clat) e Instituto Internacional de Estudios y Capacitación Social del Sur (Incasur). Não lembro direito, mas parece que ainda havia o dedo logístico da Universidade Sindical da Venezuela ou Bolívia (?). Zunzum que ouvi. Passagens aéreas, tudo de graça, e, no DF, uma estada de nababos.

Lá, em Brasília, com representação de quase todos os territórios brasileiros, ficamos bem aboletados numa chácara enorme, sombreada por sapotizeiros e pés de abacate muito carregados, com cama feita e mesa bem botada, na maior mordomia. A estada, lá, era até de competir com a boa-vida dos depufedes. Antes que me perguntem, este terminho foi invenção do grande “Stanislaw Ponte Preta”, o Sérgio Porto, que criou o neologismo para carimbar honrosamente os parlamentares. Portanto, fiquem sabendo: depufedes = deputados federais.

Café da manhã, tudo bem reforçado. Mais tarde, às 10, um senhor lanche. Almoço, também de mandarim, ao meio-dia. Às 15h, novamente merenda e, à noitinha, o jantar. Tudo muito farto e lauto. Só nos faltavam os vencimentos gordos dos homens do Congresso. Hipérboles à parte, o sindicalismo da época (1987) era muito forte. Quem fosse à Praia Grande, lá na cidade Ocian, iria ficar de queixo caído com o primor da concentração de tantas colônias sindicais, tudo num luxo só.

A chácara, que nos abrigava, muito zelada. Com fins específicos, servia como um instituto. Era uma pousada bastante aprazível e confortável. Ali se realizavam encontros, cursos, seminários. Uma hospedagem ideal para abrigar até congressos. Construção de três pavimentos, o estabelecimento era dirigido por irmãs da congregação de Jesus Crucificado. No final do curso, já me fizera chapa da religiosa diretora, de Goiás, que se desmanchara em ternura ao saber que minha mulher também fora da mesma ordem de Jesus Crucificado. O casarão situava-se em área chique, à orelha da Embaixada da Malásia, que ostentava logo à entrada três ou quatro limusines, que eram uma lindeza. Zona nobilíssima, portanto, um filé, onde ficamos, bem na zona das embaixadas.

No evento, em tempo integral, ministrado na carona das duas semanas, conheci figurões em quem jamais imaginei, de pertinho, correr o olho. Em dias extras, às vezes, também havia atividades noturnas. Quando não, alguns de nós íamos tomar chope, lá num ‘shopping’ chiquérrimo, a três quadras da pousada. Sempre de bermuda, eu voltava a tremer de frio. Temperatura, à noite, entre 13 e 16 graus.

A organização e direção dos trabalhos diários, além das discussões, tudo ficava a cargo de um uruguaio, o irrequieto e competente Galo Pochelù. Cedo, ele já trazia um monte de jornais, que nos serviam na elaboração de murais e para ficarmos por dentro dos fatos nacionais e internacionais. Por razões políticas, o dinâmico Galo vivia exilado na Argentina, onde também a situação política não era nada boa. Para o encontro, com apoio logístico do IPROS (SP) e Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (DF), vieram dois “experts” do exterior: Don Alfredo, conferencista argentino e outro alemão, que se deixava traduzir, em espanhol, por uma jovem senhora também alemã. Outros palestrantes eram parlamentares federais do PT e PMDB, um professor de Economia da UnB, Décio Munhoz, e o comandante-em-chefe do IPROS, Ruy Brito, este a experiência político-sindical em pessoa.

Façamos, agora, um corte brusco neste relato maçante, pois as reminiscências, até aqui, são narradas tão-somente para realçar e registrar o fato mais importante que se deu durante o nosso seminário: pousarmos numa foto, ao lado de Oscar Niemeyer. De folga, num domingo, fomos conhecer ou rever o centro de Brasília, os palácios da Alvorada e do Planalto, a Catedral, etc. Na Catedral, à distância, notei a presença baixinha daquele senhor, metido em paletó e sem gravata, em companhia de senhora bem mais jovem. Heureca! – pensei – é o Niemeyer!

Só podia ser o homem famoso, aquele cara. Ele apreciava a cúpula do belo templo, longamente. Não parecia ter pressa alguma, esquadrinhando o espaço, os olhos pensos para o ar. Foi daí que corri ao nosso grupo, que já tomava rumo oposto, e bati com a língua nos dentes. Externei as minhas suspeitas, partimos para o ataque. De supetão, feito enxame, fomos cair em cima daquele cidadão do mundo, em carne e osso. Agora, de perto, constatamos. Era a figura proeminente do século XX, feito um Chaplin, em outro estilo.

Na rápida conversa com a nossa caravana, o gênio declararia que estava ali estudando um reparo nos vitrais do teto, conserto para evitar a infiltração dos raios solares. Diacho, esquecera a minha, na pousada, mas, como um companheiro portava máquina fotográfica, tive a ideia, pensei com meus botões – “vou sugerir uma foto”. Antes, ao distinto, disse-lhe quem éramos. Sindicalistas em viagem de estudo, companheiros de várias categorias, e tal. Afável, o figurão apertou-nos as mãos, com afeto, um a um. E éramos um mor de gente. Ali era eu o único cearense, já que o professor Jaime alegou enfado e ficara no repouso do alojamento.

Tomando coragem, pedi uma foto do insigne compatriota. Ele nos atendeu prontamente, com um sorriso paternal. Nosso pessoal perfilou-se ao lado do baixinho, porém o mais excelso e famoso arquiteto do País, o construtor de Brasília. Sem dúvida alguma, gênio, um dos melhores comunistas e artistas plásticos do universo. Também fiz pose, no ‘flash’, lado a lado com o mitológico Oscar Niemeyer. Ganjento, eu parecia estar todo lambuzado de emoção, e clic! É que sabia que iria sair impresso, ombro a ombro, com um pedaço vivo e importante da História do Brasil. Ora, “gente sinhá”, como falava minha mãe, por aí, nunca levou aquela sorte, o privilégio deste desimportante aqui, ou seja, bater foto com o titã que vestiu e embelezou tantas paisagens.

Pena é que o meu retratinho histórico haja voado para Curitiba, na matalotagem do companheiro Ubiratan, o loiro e muito amigável “Bira”, então presidente do Sindicato dos Desenhistas do Paraná. Com ele, o matreiro baiano-carioca Amaral e certa moça bonita, curitibana, certa vez, nós amanhecemos numa daquelas mansões pré-moldadas do Lago Sul, na maluca e gostosa companhia do niteroiense Marquinho, do MR-8, que se auto-rotulava como “o porra-louca” da patota. Na verdade, ainda jovem, um gênio maluquinho: três formaturas na cachola. Agora, por favor, vou botar ponto-final, por aqui. Alguém conhece o “Bira”, o desenhista? Se o conhecem, me façam o obséquio, queria tanto saber o rumo do eletrônico dele!

Fort., 1º/12/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 01/12/2009
Reeditado em 01/12/2009
Código do texto: T1954380
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