O GAGO ( PÔ-PÔ-PÔ )
Joel nascera como todos os outros bebês de sua época, o que em nada contrariava o brio da família. Mais tarde, porém, contra toda e qualquer lógica da hereditariedade, meu irmão manifestou-se gago.
Não era, verdade seja dita, aquele gagueira de babar-se todo, engrossar a veia do pescoso e fazer terraplenagem com os pés. Nada disso! A gagueira de Joel limitava-se a uma meia dúzia de pô-pô-pôs que ele pronunciava, diga-se de passagem, até com um certo charme, a cada duas ou três palavras.. Mamãe acreditava ser isto um vício infantil, sendo tudo uma questão de dar tempo ao tempo. E assim ela pensou até o dia em que Joel rompeu porta da cozinha adentro, quase sem fôlego, tentando explicar o que tava acontecendo.
- Mãe, pô-pô-pô Maria Flávia...
- O que que tem sua irmã?
- É pô-pô-pô, ela...
- Tô ocupada Joel, num tá vendo? Vê se fala direito!
- Mãe, pô-pô-pô Maria Flávia...
- Até aí cê já contou. Fala o resto!
- É que ela pô-pô-pô caiu no pô-pô-pô poço de peixe!
- No POÇO? Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mãe de Deus!
Sairam todos correndo e quando chegamos ao poço que ficava ao fundo do quintal, minha irmã já havia bebido uns cinco litros do precioso líquido. Meu pai, pressionando o ventre dela conta o chão, obrigou-a a devolver ao poço toda a água indevidamente surrupida e, dali a pouco Maria Flávia estava melhor do que Joel, que ainda não havia se recuperado a sua cor natural.
Apesar de tudo ter voltado ao normal, minha mãe entendeu que era hora de se preocupar com a gagueira de Joel, ou alguém ainda acabaria morrendo por causa dela.
Foi a era dos chás, no sítio. Tudo quanto era ramo que ensinavam para minha mãe virava uma xaropada pro coitado do Joel. Cipó cabeludo, cipó torcido, pau pelado, orelha de cahorro, cabelo de milho, raiz de num sei o quê... depois vieram as folhas: mijo de gato, capeba, babosa, jurubeba... e tome xarope.
Mas nada disso fazia efeito. Ao contrário, alguns membros da família, mais espertos em cálculos matemáticos, descobriram que Joel houvera umentado um "pô" na segunda sequencia de "pôs" que mantinha antes dos xaropes.
Às vezes as pessoas tentavam ajudá-lo. Tudo em vão. Como no caso do açougueiri que atendia ao Joel nas encomendas de minha mãe:
- Põ-pô-pô, Sô Luiz, eu quero um quilo de carbe de pô-pô-pô...
- Já sei! Você quer um quilo de carne de porco!
- Não! É de pô-pô-pô, de boi.
Minha mãe já começava a desistir desuas xaropadas e simpatias para acabar com aquilo, quando passou lá o sítio um tal de "Inhô Cumpade", um tropeiro que vendia lenha na cidade. passou lá levando um "miozinho que ele mesmo cueu no terrerinho da bitaca lá na serra e que pra Inhá Cumade fazê o favô de muê " pra ele.
Quando Inhô Cumpade chegou ao portão, deu de ouvido com o pô-pô-pô de Joel.
- Inhá Cumade tá in casa, mo fio?
- Pô-pô-pô mamãe tá!
- Pois inhozinho me chame ela pra eu?
Dali mesmo, do portão, Joel foi berrando:
_ Manhê, pô-pô-pô tem gente chamando.
No que minha mãe veio, Inhô Cumpade quis saber "que diabo era aquilo" e após as explicações de minha mãe veio com mais uma receita:
- Ora, Inhá Cumade, pois isso é muito face de sê curado! Ora pois, já curei incondo muito pió. Se Inhá quisé vô insiná um jêtio de acabá com isso.
- Mas é claro que quero, Inhô Cumpade! Já fiz de tudo que me ensinaram e até hoje nada deu resultado...
Pois entonces, Inhá preste atenção. Inhá Cumade vai pô sintido num jêtio de passar um sustin dos bruto no minino. carece de sê um susto dos bão, assim, de bambiá as pirninha dele. Adispois diso Inhá Cumade, acabô-se! O caboclinho vai falá mais doce qui padre em sermão de Semana Santa, Deus que me perdôe, e vai inventá mais prosa que deputado em tempo de leição.
- Uai, Cumpade, então eu vou experimentar.
- Isperimente, Inhá, isperimentye, e adispois me conte!
Inhô Cumpadi foi embora deixando minha mãe a pensar numa maneira de passar um susto bem forte em Joel. Pensou em abrir um concurso em família para tal empreitada. Recuou. Isso poderia fazar vazar seu intento e chegar aos ouvidos da futura vítima. Assim, ela mesma planejou tudo. Somente eu, envolvido na parte operacional do plano, tive acesso ao projeto antes de sua execução. Era o seguinte;
Seriam jogados dois quilos de milho no rodízio do moínho d'água, que fica lá em baixo onde a água bate com força. Joel seria incumbido de catar o milho e, para isso, a água que move o moínho seria represada por uma hora, tempo mais que suficiente para que ele desse conta da tarefa. Só que, em meio á tarefa, a um sinal de minha mãe eu soltaria a água represada, de modo que ela descesse com toda a força possível e desse no "caboclinho" um susto com a grandeza encomendada por Inhô Cumpade.
Achei o plano o maior barato! Não que eu me preocupasse com os pô-pô-pôs do meu irmão. Eu apanhava dele todo dia. Eu seria capaz de pagar ingresso pra assistir ao espetáculo. participar dele, então, tinha um gostinho temperado de vingança.
Tudo foi preparado. A água foi represada e Joel foi catar o milho.
Quando minha mãe deu sinal para soltar a água, eu tirei a comporta de uma só vez e que passou por mim mais parecia uma enchente de São José. A água descia com uma força avassaladora, levando consigo tudo que era lixo recolhido às margens do córrego: casca de banana, mamucha de laranja, folha de cana, casca de coco, toco de pau podre, casca de jabuticaba e tudo mais que encontrava pela frente.
Quanso ela bateu lá baixo no rodízio, um grito pavor se fez ouvir a quilômetros de diatância.
A expectaiuva de minha mãe não durou mais que cinco segundos. Todo molhado, meio amarelo meio roxo, com cara de poucos amigos, Joel apareceu puxando seus próprios cabelos e gritando:
- Pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô que merda, sô! Pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô num tá pô-pô-pô-pô-pô me vendo pô-pô-pô-pô aqui não?
Eu que não sou idiota nem nada, tratei de dar no pé.
Minha mãe não gosta que eu conte, mas eu sou capaz de jurar que naquele dia, Joel babou-se todo, engrossou a veia do pescoço e rapou terra com os pés.
Joel nascera como todos os outros bebês de sua época, o que em nada contrariava o brio da família. Mais tarde, porém, contra toda e qualquer lógica da hereditariedade, meu irmão manifestou-se gago.
Não era, verdade seja dita, aquele gagueira de babar-se todo, engrossar a veia do pescoso e fazer terraplenagem com os pés. Nada disso! A gagueira de Joel limitava-se a uma meia dúzia de pô-pô-pôs que ele pronunciava, diga-se de passagem, até com um certo charme, a cada duas ou três palavras.. Mamãe acreditava ser isto um vício infantil, sendo tudo uma questão de dar tempo ao tempo. E assim ela pensou até o dia em que Joel rompeu porta da cozinha adentro, quase sem fôlego, tentando explicar o que tava acontecendo.
- Mãe, pô-pô-pô Maria Flávia...
- O que que tem sua irmã?
- É pô-pô-pô, ela...
- Tô ocupada Joel, num tá vendo? Vê se fala direito!
- Mãe, pô-pô-pô Maria Flávia...
- Até aí cê já contou. Fala o resto!
- É que ela pô-pô-pô caiu no pô-pô-pô poço de peixe!
- No POÇO? Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mãe de Deus!
Sairam todos correndo e quando chegamos ao poço que ficava ao fundo do quintal, minha irmã já havia bebido uns cinco litros do precioso líquido. Meu pai, pressionando o ventre dela conta o chão, obrigou-a a devolver ao poço toda a água indevidamente surrupida e, dali a pouco Maria Flávia estava melhor do que Joel, que ainda não havia se recuperado a sua cor natural.
Apesar de tudo ter voltado ao normal, minha mãe entendeu que era hora de se preocupar com a gagueira de Joel, ou alguém ainda acabaria morrendo por causa dela.
Foi a era dos chás, no sítio. Tudo quanto era ramo que ensinavam para minha mãe virava uma xaropada pro coitado do Joel. Cipó cabeludo, cipó torcido, pau pelado, orelha de cahorro, cabelo de milho, raiz de num sei o quê... depois vieram as folhas: mijo de gato, capeba, babosa, jurubeba... e tome xarope.
Mas nada disso fazia efeito. Ao contrário, alguns membros da família, mais espertos em cálculos matemáticos, descobriram que Joel houvera umentado um "pô" na segunda sequencia de "pôs" que mantinha antes dos xaropes.
Às vezes as pessoas tentavam ajudá-lo. Tudo em vão. Como no caso do açougueiri que atendia ao Joel nas encomendas de minha mãe:
- Põ-pô-pô, Sô Luiz, eu quero um quilo de carbe de pô-pô-pô...
- Já sei! Você quer um quilo de carne de porco!
- Não! É de pô-pô-pô, de boi.
Minha mãe já começava a desistir desuas xaropadas e simpatias para acabar com aquilo, quando passou lá o sítio um tal de "Inhô Cumpade", um tropeiro que vendia lenha na cidade. passou lá levando um "miozinho que ele mesmo cueu no terrerinho da bitaca lá na serra e que pra Inhá Cumade fazê o favô de muê " pra ele.
Quando Inhô Cumpade chegou ao portão, deu de ouvido com o pô-pô-pô de Joel.
- Inhá Cumade tá in casa, mo fio?
- Pô-pô-pô mamãe tá!
- Pois inhozinho me chame ela pra eu?
Dali mesmo, do portão, Joel foi berrando:
_ Manhê, pô-pô-pô tem gente chamando.
No que minha mãe veio, Inhô Cumpade quis saber "que diabo era aquilo" e após as explicações de minha mãe veio com mais uma receita:
- Ora, Inhá Cumade, pois isso é muito face de sê curado! Ora pois, já curei incondo muito pió. Se Inhá quisé vô insiná um jêtio de acabá com isso.
- Mas é claro que quero, Inhô Cumpade! Já fiz de tudo que me ensinaram e até hoje nada deu resultado...
Pois entonces, Inhá preste atenção. Inhá Cumade vai pô sintido num jêtio de passar um sustin dos bruto no minino. carece de sê um susto dos bão, assim, de bambiá as pirninha dele. Adispois diso Inhá Cumade, acabô-se! O caboclinho vai falá mais doce qui padre em sermão de Semana Santa, Deus que me perdôe, e vai inventá mais prosa que deputado em tempo de leição.
- Uai, Cumpade, então eu vou experimentar.
- Isperimente, Inhá, isperimentye, e adispois me conte!
Inhô Cumpadi foi embora deixando minha mãe a pensar numa maneira de passar um susto bem forte em Joel. Pensou em abrir um concurso em família para tal empreitada. Recuou. Isso poderia fazar vazar seu intento e chegar aos ouvidos da futura vítima. Assim, ela mesma planejou tudo. Somente eu, envolvido na parte operacional do plano, tive acesso ao projeto antes de sua execução. Era o seguinte;
Seriam jogados dois quilos de milho no rodízio do moínho d'água, que fica lá em baixo onde a água bate com força. Joel seria incumbido de catar o milho e, para isso, a água que move o moínho seria represada por uma hora, tempo mais que suficiente para que ele desse conta da tarefa. Só que, em meio á tarefa, a um sinal de minha mãe eu soltaria a água represada, de modo que ela descesse com toda a força possível e desse no "caboclinho" um susto com a grandeza encomendada por Inhô Cumpade.
Achei o plano o maior barato! Não que eu me preocupasse com os pô-pô-pôs do meu irmão. Eu apanhava dele todo dia. Eu seria capaz de pagar ingresso pra assistir ao espetáculo. participar dele, então, tinha um gostinho temperado de vingança.
Tudo foi preparado. A água foi represada e Joel foi catar o milho.
Quando minha mãe deu sinal para soltar a água, eu tirei a comporta de uma só vez e que passou por mim mais parecia uma enchente de São José. A água descia com uma força avassaladora, levando consigo tudo que era lixo recolhido às margens do córrego: casca de banana, mamucha de laranja, folha de cana, casca de coco, toco de pau podre, casca de jabuticaba e tudo mais que encontrava pela frente.
Quanso ela bateu lá baixo no rodízio, um grito pavor se fez ouvir a quilômetros de diatância.
A expectaiuva de minha mãe não durou mais que cinco segundos. Todo molhado, meio amarelo meio roxo, com cara de poucos amigos, Joel apareceu puxando seus próprios cabelos e gritando:
- Pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô que merda, sô! Pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô-pô num tá pô-pô-pô-pô-pô me vendo pô-pô-pô-pô aqui não?
Eu que não sou idiota nem nada, tratei de dar no pé.
Minha mãe não gosta que eu conte, mas eu sou capaz de jurar que naquele dia, Joel babou-se todo, engrossou a veia do pescoço e rapou terra com os pés.