Este conto, é uma narração de uma das comédias escritas por Luis Carlos Martins Pena (05/11/1815 -07/12/1848), natural do Rio de Janeiro, grande proseador da fase Romântica no Brasil, cultivava a música e frequentava a Academia de Belas Artes.

        O JUIZ DE PAZ NA ROÇA

          
Juiz: - Sr. Escrivão, leia outro requerimento.
               Escrivão (lendo): - "O abaixo assinado vem dar os parabéns a Vossa Senhoria por ter entrado com saúde no novo ano financeiro. Eu, ilustríssimo Sr. Juiz de Paz, sou senhor de um sítio que está na beira do rio, onde dá muito boas bananas e laranjas; e, como vem de encaixe, peço a Vossa Senhoria o favor de aceitar um cestinho das mesmas, que eu mandarei hoje à tarde. Mas como ia dizendo, o dito sítio foi comprado com o dinheiro que minha mulher ganhou nas costuras... E vai senão quando, um meu vizinho, homem da raça de Judas, diz que a metade do sítio é dele. E então que lhe parece Sr. Juiz, não é desaforo? Mas, como ia dizendo, peço a Vossa Senhoria para vir assistir à marcação do sítio."
               Juiz: - Não posso deferir por estar muito atravancado com um roçado; portanto requeira ao suplente que é meu compadre Pantaleão.
               Manuel André
: - Mas, Sr. Juiz, ele também está ocupado com uma plantação.
              Juiz: - Você replica? Olhe que o mando para a cadeia. 
              Manuel André: - Vossa Senhoria não pode prender-me à toa; a constituição não manda.
             Juiz: - A Constituição! Está bem! Eu, o Juiz de Paz, hei por bem derrogar a Constituição! Sr. escrivão, tome por termo que a Constituição está derrogada, e mande-me prender este homem.
              Manuel André
: - Isto é uma injustiça!
              Juiz: - Ainda fala? Suspendo-lhe as garantias!
              Manuel André: - É desaforo.
              Juiz (levantando-se): - Brejeiro!
              (Manuel André corre e o Juiz vai atrás). Pega! Pega!... Lá se foi, que o leve a breca. (Assenta-se). Vamos às outras partes.
      O leitão da discórdia...
               Escrivão (lendo): - "Diz João de Sampaio que sendo ele senhor absoluto de um leitão, que teve a porca velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. Tomás e, com a sem-cerimônia que tem todo porco, fossasse a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. Juiz, que o leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como um cão, que é outra qualidade de alimária, e que pensa às vezes como um homem. E para que Vossa Senhoria não pense que minto, lhe conto uma história. A minha cachorra Tróia, aquela mesma que escapou de morder a Vossa Senhoria naquela noite, depois que lhe dei uma tunda, nunca mais comeu na cuia com os pequenos; mas vou a respeito de dizer que o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com o leitão, só porque comeu duas ou três cabeças de nabo. Assim, peço a Vossa Senhoria que me mande entregar o leitão. P.R.M."
              Juiz: - É verdade, Sr. Tomás, o que diz o Sr. Sampaio?
              Tomás: - É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.
              Sampaio: - Mas era meu, e o Sr. nem mo comprou nem lho dei, como pode ser seu?
              Tomás: - É meu, tenho dito.
              Sampaio: - Pois não é, não senhor... (Agarram ambos no leitão e puxam cada um para seu lado).
              Juiz (levantando-se): - Larguem o pobre animal! Não matem!
              Tomás: - Deixe-mo, senhor!
              Juiz
: - Sr. escrivão, chame o meirinho. (Os dois apartam-se). Espere, Sr. Escrivão, não é preciso. (Assenta-se). Meus senhores, só vejo um modo de conciliar esta contenda, que é darem aos senhores este leitão de presente a alguma pessoa... Não digo com isto que mo dêem.
              Tomás: - Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Senhoria para lho oferecer.
              Juiz: - Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não gosta de demandas... E que diz o Sr. Sampaio?
              Sampaio: - Vou a respeito de dizer que, se Vossa Senhoria aceita, fico contente.
              Juiz: - Muito Obrigado, muito obrigado. Faça o favor de deixar ver... Oh! Homem! Está gordo! Tem toucinho de quatro dedos... Com efeito! Ora, Sr. Tomás, eu gosto tanto de porco com ervilhas...
             Tomás: -Se Vossa Senhoria quer, posso lhe mandar algumas.
             Juiz: - Faz-me muito favor. Tome o leitão, e bote no chiqueiro quando passar. Sabe onde é?
            Tomás (tomando o leitão): - Sim, senhor.
            Juiz: - Podem-se retirar. Estão conciliados.
    
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dilcetoledo
Enviado por dilcetoledo em 29/11/2009
Reeditado em 16/07/2010
Código do texto: T1950045
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