RIDÍCULO ATO CLANDESTINO

Nenhuma enquete maluca, empreendida por qualquer ‘foca’ pirado, far-me-ia esta pergunta:

– Meu caro entrevistado, você já cometeu algum ato ridículo, mesmo sem sequer ser notado?

Pois é por isso mesmo, sem precisar de que ninguém me inquira, que já lhe vou respondendo:

– Sim, distinto repórter. Está evidente que cometi, seguramente, um baita ato ridículo, e sem que ninguém me notasse o acontecido. Quer dizer, foi tudo clandestinamente.

Com certeza que jornalista algum, começando ou no final da carreira, e por mais curioso e criativo que fosse, viria sequer para me entrevistar. Até porque, não sendo pessoa importante, nem de projeção sócio-política, ou de alto cartaz econômico-social, quem se daria à indigência do trabalho de ler-me a baboseira de uma entrevista?

O fato é que cometi o desativo, sim. Ou seja, um ato ridículo, mas sequer sem ser notado por qualquer pezinho de pessoa.

Sem dúvida, essa foi a magistral bobeira da minha vida, em plena avenida do bairro. Por esse gesto ridículo, indevidamente, não recebi prêmio de honra ao mérito algum e disto nunca faria questão.

Ia-me eu, quase feliz, rua acima, por trás do meu par de óculos escuros, de armação larga e possante, apenas pouco menos que um James Dean, quando lá se me vem aquele avião enorme de mulher, algo dessas belonaves que, de primeiro, o pessoal chamava de violão. Pelo tamanho do voo, talvez até fosse rabecão de filarmônica.

Enquanto eu não parava de enfiar o olho no corpanzil da belonave, caminhando meio desprecatado, nisto vem vindo um ônibus, de lá para cá. E sigo em frente, vou andando mais, olho muito afiado, enfiado na fuselagem do avião, porque peça de arte sempre é coisa para bobo da corte ver.

Se não se olha a dita peça de arte, então a Bienal fecha as portas da galeria – e só daqui a dois anos para nova mostra do produto artístico. Ou, por azar do ‘marchand’ e dos olhos dos visitantes da feira, pode nem se dar mais a relevante exposição do evento.

Vai daí que o ônibus para, junto ao poste, o avião bonzudo bota chouto nas pernas bem torneadas, a fim de pegar o coletivo. Perdendo a chance de encher-se de vaidade, ela, belonave, sequer pôs exame no gume do meu olhar, que se faiscava todo. Coitada da belonave. Ela nem notou que lhe botara olho gigantão pela ré, um bumbum tremendo, e balões de meus olhos já lotados de gulodice. Meu olhão era feito alpinista, subindo, subindo montanha arriba.

Então, sem concupiscência nem maledicência, já lá a estou escalando pelos traseiros, ali na planície das cadeiras. Foi quando, trepando-se ela no lotação, com toda força, eu bati de proa no poste – zás! Ai, ai, ai! Pancada feia, maciça, que quase caí sobre os cambitos. Aquilo foi bordoada doída, bem na fronte direita; porrada forte, de jeito, o que me custou uma perna da armação larga e fornida dos óculos, bem no engate da outra peça, daí a perda total do meu modelo italiano.

Aff!... Mas, também, não me valeu o preju? Ah, o que pesou não fora a minha olhadela de maus modos? Não tanto foi tão joia a experiência pelo que ficou apreciado no aeroplano de mulherão. Valeu-me a pena, sim, mas porque, amaciada a bruta porrada na fronte, pelo benemérito tipo italiano, salvara-se a minha vidinha de um espreitador clandestino. E sem que ninguém, mesmo, naquela avenida, se apercebesse do perigo por que passei.

Fort., 27/11/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 27/11/2009
Reeditado em 27/11/2009
Código do texto: T1947266
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