Uma pedra no caminho

Uma pedra no caminho

Recordo-me como se fosse hoje: aquele domingo amanheceu diferente, havia chovido muito naquela madrugada e o sol deu seu ar de graça, sem “muita graça”, insinuando que seria um dia nublado, com promessas de mais chuva.
Como criança, a minha decepção era grande, porque, naquele domingo de macarronada, polenta e frango, o meu querido ABC estaria se apresentando no Estádio Vítor Labate, hoje, Carlos Affini, e uma chuva poderia tirar o brilho da partida – e isso era muito ruim.
Eu já havia preparado, com antecedência, o meu “fardamento” para esse jogo. Era a minha roupa de domingo e que se resumia numa camisa rubro-negra, calção preto, meias idênticas à camisa e chuteira bem engraxada: eu era mascote da equipe.
Naquele ano, l958, o meu querido Atlético Brasil Clube, ABC, estava infernal e prometia reeditar a boa campanha dos anos anteriores, com o auxílio de Dutra, Feijão, Zé do Pito, Zé Moço e muitos outros.
Eu simplesmente seguia os passos de meu pai, ferroviário, corintiano e fanático torcedor do ABC, que chegava a ponto de alugar, sozinho, o táxi (Junqueira, Zeca Dower), para assistir a uma partida de futebol em outras cidades e, como não podia deixar de ser, me levava a tiracolo.
Chegada a hora, lá estávamos nós, meu saudoso pai e eu, firmes, convictos de mais uma vitória do ABC – e não deu outra: vencemos!
O ritual foi o de sempre: retornamos do estádio, meu pai me deixou em casa e foi até o Bar Esporte tomar alguns aperitivos com os amigos, sendo que, defronte ao bar, que ficava localizado na esquina da Rua Irmã Gomes com a Avenida Brasil, existia a antiga Rodoviária e o calçamento ao redor era todo de paralelepípedo.
Como a chuva havia voltado a cair e forte, meu pai ficou durante um bom tempo impossibilitado de retornar para nossa casa, a qual não ficava muito distante daquele local; porém, a impaciência falou mais alto e ele acabou deixando o local com chuva e tudo.
A fraca iluminação e a chuva pesada se aliaram ao “excesso de aperitivos”, pregando a maior peça naquele ferroviário acostumado a trabalhar na chuva como “guarda-chaves”, pois o piso escorregadio acabou mandando aquele corpanzil, com seus quase dois metros, para o solo.
Olhando o mundo de pernas para o ar, meu pai não titubeou, levantou-se rapidamente e, sem pestanejar, apanhou o paralelepípedo que o havia derrubado, colocou-a nas costas e foi para casa.
Estávamos todos na varanda, minha mãe, meu irmão e eu, quando meu pai chegou, carregando nos ombros aquela pedra.
– O que aconteceu, José? – perguntou minha mãe, surpresa com a cena.
– A danada desta pedra estava como eu: no lugar errado, na hora errada. Por isso, eu a apanhei e a trouxe para casa. Podem ter certeza de uma coisa: ela nunca mais vai derrubar outra pessoa e eu não vou mais tomar os meus aperitivos.
E o que foi dito há quarenta e quatro anos atrás, foi cumprido: deixou os aperitivos e, até há pouco tempo, o paralelepípedo estava “guardado” na sua casa lá, na Avenida Brasil.
Escritor Paulista
Enviado por Escritor Paulista em 26/11/2009
Reeditado em 01/12/2009
Código do texto: T1945086