A Junta de Bois e o Candieiro
Aquele menino,
Era bem magrinho,
De espetar um joelho no outro.
O cabelo escorrido
Escorregava do pente.
As sardas do rosto
Pintavam o espelho d’angola.
A timidez
Tingia a face de urucum.
A curiosidade
Fazia mil perguntas
Aos joelhos,
Ao cabelo,
Ao pente,
Ao espelho,
Ao urucum.
Como era curioso aquele menino.
Naquele tempo havia um varandão no estábulo
E naquele espaço assustador
Jazia um carro-de-boi desmontado,
Além de uma enorme canga,
Já deteriorada por cupins,
Entre tábuas velhas
E teias de aranhas.
A curiosidade do menino
Perguntava à sua companheira,
A timidez,
O motivo do abandono
Daquele carro-de-boi.
E ela,
Muda como um tijolo maciço,
Não lhe respondia nada,
Estimulando o magrelinho,
A criar várias versões
Para o fim
Daquele carroção cantador.
Mas em uma certa noite de frio
Em volta do fogão a lenha
A Avó do menino,
Com sua enorme sensibilidade,
Contou-lhe a triste história
Que deu origem
Àquela cena de abandono:
Pelé, o Candieiro,
Que costumava dormir no varandão,
E até conversava com a junta de bois carreiros
-Rochedo e Trovão-
Foi pisoteado pelos dois companheiros
Perdendo a vida
Ali, naquele chão
Onde costumava forrar a sua esteira.
E ele era um candieiro diferente,
Bondoso com os animais
Nunca teve coragem de usar a vara de ferrão
Na barriga dos seus amigos de arado e tração.
Ninguém entendeu o motivo
De tamanha agressão.
E por isso a junta foi sacrificada
E jogada em um boqueirão.
Naquela noite,
O menino foi dormir
Com um mistério desvendado,
Mas com uma outra curiosidade:
Por que será que os bois mataram o Pelé?
E naquela madrugada ele acordou
Com um som estridente vindo do varandão.
Parecia um gemido,
Uma triste melodia,
Tocada por uma rabeca
Ou por um violino.
A curiosidade venceu o medo
E ele pulou a janela
Para ouvir de perto aquela canção.
Deparou-se então com o carro-de-boi,
Novíssimo,
Com uma junta de bois cangada
E um homem negro guiando:
- Afasta Rochedo!
- Vem cá Trovão!
O que está acontecendo?
Perguntou o sardentinho.
-Venho aqui fazer justiça.
Respondeu o candieiro.
-Os bois que aqui foram sacrificados
Só fizeram aquilo
Porque foram assustados
Por uma cobra,
Uma enorme jibóia
Que caiu do telhado.
No dia seguinte
O menino contou o acontecido para a sua Avó
E ela foi até o boqueirão
E encontrou
Entre o que restava das ossadas
As cabeças dos bois
Esbranquiçadas pelo tempo,
Mas em bom estado.
Levou-as para o estábulo
E pendurou-as na entrada
E entre elas
A vara de ferrão
Afinal ela era usava como guia dos bois
E às vezes como bengala
Quando o cansaço pesava
Nos ombros do candieiro.
Conta a história,
Que até hoje
O Candieiro aparece por aquelas terras
Toda vez que um animal fica doente.
Virou benzedor.
Porém hoje,
Como a cabeça dos bois,
Seu cabelo está esbranquiçado,
Assim como a sua barba.
Mas o seu cachimbo de bambu
Mordido de lado
Dá ao povo a certeza
De que aquele velho misterioso
É o Candieiro bondoso do passado.