Portelinha
Naquele domingo
Eu estava com as carnicocas,
Como diria a minha avó.
Passei toda a tarde
Na venda do Tonho Saraiva,
- Que Deus tenha em sua casa
Aquele grande homem! -
Onde joguei algumas partidas de sinuca,
Outras de tamancobol,
Enquanto saboreava um litro da pinga Portelinha
Acompanhada de um crocante torresmo
Frito pelo próprio Tonho.
Em uma certa hora
O bom homem me trouxe
Uns miúdos de porco com arroz
E disse-me que era para dar sustância
Senão a pinga me derrubaria.
De noitinha,
Enquanto os fiéis do lugar
Ensaiavam a ladainha
Para a romaria de Sant’Ana.
Eu montei na minha bicicleta e parti.
Levava na garupa
Um saco de compras,
Com canjica, farinha,
Arroz, rapadura, querosene
E uma garrafa de cana.
Segui num zig-zag de dar inveja
À lebre fugindo do cachorro.
Mas depois do 3º tombo
E alguns ralados
Nos joelhos e cotovelos
Decidi continuar a volta para casa
Empurrando a camelinha.
Quando cheguei na curva da Sete Saias
Fui cumprimentado por uma voz grossa:
- Noite!
Disse o homem.
- Boa noite!
Respondi com um certo receio.
- Me dá um gole dessa pinga que você leva aí!
Eu, assustado com a arrogância do homem
Peguei a cachaça e entreguei para ele.
A escuridão era tanta
Que eu não conseguia enxergar
Sequer a mão do cidadão
Quando ele me tomou a garrafa.
Só conseguia ver o branco dos dentes
E dos seus olhos esbugalhados
Iluminados pela brasa do cigarro de palha
Que ele trazia mordido no canto da boca.
O cheiro do fumo de rolo
Me deixava ainda mais embriagado.
Escutei o glut glut da pinga sendo engolida pelo homem
E menos de um minuto depois
Ele me entregou o litro completamente vazio.
- Hummm! Que pinga boa!
Resmungou,
Antes de desaparecer por completo
No meio dos arbustos.
A partir dali montei na bicicleta
E continuei a minha volta para casa,
Porém sem o zig zag do início,
Estranhamente eu já estava curado do porre.
Deve ter sido por causa do susto.
Cheguei no meu barracão e apaguei.
E na manhã do dia seguinte
Enquando guardava as compras na dispensa
Tive uma surpresa imensa:
A garrafa de cachaça estava completamente cheia.
E entre as compras havia sete espigas de milho,
Que não me lembro de ter comprado na venda
Muito menos colhido numa plantação,
Mesmo porque ainda não era tempo de milho verde.
Conta a história
Que ali naquela curva,
Naquele local,
Um homem foi assassinado
E que o seu corpo foi encontrado
Com um metro de fumo enrolado no pescoço,
Uma garrafa de pinga do lado
No meio de um milharal.