O Canto Encantado
Uma noite dessas
Escutei o gemido
De um carro de boi
Acompanhado do mugido
Dos animais que puxavam a carga.
Ao longe eu ouvia
Os gritos do pião carreiro
Ôa Rochedo!
Afasta Ligeiro!
Espantei-me,
Pois nos dias de hoje
Já não se vê carros de boi
Eles estão nas lembranças
De um tempo que já se foi
O tempo da cana-de-açúcar
Do canavial em chamas,
Carvão e fumaça.
Tempo da garapa,
Da rapadura,
Da cachaça.
O canto que eu ouvia
Lembrava-me a romaria
Do dia de Sant’ Ana
Mas eu tinha convicção
De que aquele som vinha
Do atrito do eixo com o cocão
De um carro de boi carregado.
E o longo gemido dava a certeza
De que ele estava muito pesado.
Minha curiosidade
Fez-me correr na direção do belo canto
Mas o que me intrigava
É que quanto mais eu corria
Na direção da melodia
Mais ela se afastava
Procurei por toda a noite
Aquele carro de boi cantador
E apesar de ouvi-lo o tempo inteiro
Não consegui vê-lo.
Só vi coruja,
Bacurau,
Morcego.
E exausto da minha procura
Cochilei em uma guarita
Embaixo de um cabelo de nego
Bem de manhãzinha
Acordei com uma lambida
Da minha cachorrinha Luarada.
Mas quando voltávamos pra casa
Reparei que a estrada
Estava toda recortada
Pelos vincos paralelos
Das Rodas de um carro de boi.
Segui aquele rastro
E até hoje estou procurando
Aquele canto que se foi.