Canoeiro Cantador
Entre Três Irmãos
E Portela
Já se construiu
Uma pinguela.
Mas no mesmo ano
Da inauguração
A natureza enfurecida
Mandou uma inundação
E o Rio Paraíba
Que separa as duas vilas
Levou em sua correnteza
A passarela
Que em seu leito
Havia sido construída.
Conta-se
Que a ponte de corda e tábuas
Trouxe com ela
O fim da travessia de canoa.
E os canoeiros
Passavam o dia todo
Sentados na proa
Coçando o remo
Olhando para a pinguela
Aguardando um ou outro passageiro
Que preferia o chacoalhar do bote
Ao balanço da passarela.
Cansados de ficar à toa
Desistiram
E foram buscar trabalho
Na lavoura.
Entre os canoeiros
Havia um negro
De braços fortes
E voz de veludo
Que cantava num tom um tanto grave
Para ouvi-lo
Até o rio ficava mudo.
Que voz forte e bela
Quando já estava em Três Irmãos
Podia ser ouvida de Portela.
Quando o canoeiro cantador
Calou a sua voz
Nas fileiras do canavial
O rio correu em prantos
E o canto grave passou a ser ouvido
Como um lamento,
Uma assombração,
Na batida da corredeira nas pedras
Nas noites de temporal.
O reino das águas entristecido
Desabou sobre o vale do Paraíba
Numa inundação jamais assistida
E a frágil pinguela
Que não resistiu
À natureza enfurecida,
Desceu corredeira abaixo
E os seus pilares de concreto
Impávidos, onde foram construídos,
Não deixam que ela seja esquecida.
O canto do canoeiro
Voltou a ser ouvido
De um lado ao outro do Rio
A correnteza dando o tom
As remadas dando ritmo
E os passageiros
Acompanhando com assovios.
Depois de um período
De calmaria
A tempestade quebra o silêncio
E a correnteza leva pra longe
A tristeza e a melancolia.