A Índia e o Dragão

- Fué!

- Fueeé!

Era o som que chamava a atenção

De Angelim,

A Caboclinha mais linda

Da tribo dos Puris.

- Tem o filhote de algum bicho chorando aqui por perto.

Pensou a indiazinha.

Ela conseguiu distinguir o som

Mesmo em meio aos estrondos

Provocados pelas corredeiras

Do grande Rio.

E se conhecesse os elefantes

Diria que o lamento que ouvia vinha da cria

De um daqueles enormes paquidermes.

Porém,

Nesta época,

Os elefantes

Ainda não haviam chegado

Aqui na América.

Foi há muito,

Muito tempo.

O fuéfué

Levou-a a uma gruta.

E lá estava o bichinho.

Era grande, para um bebê.

E muito esquisito.

Tinha cara de filhote de jacaré.

Só que era gordinho,

E possuía pequenas asas,

Parecidas com as dos morcegos,

Meio emboladas,

E ainda molhadas.

Pela umidade do ovo

Do qual saíra há pouco.

As cascas, espalhadas ao redor,

Ainda estavam encharcadas

Por aquela gosma amarelada

Com riscos vermelhos de sangue.

O que seria aquilo?

Além disso,

Ele tinha uma flecha na ponta do rabo

E mais ainda,

Uma serra em todo comprimento da espinha

Como se vê em alguns peixes.

- Que bichinho Lindo!

Pensou a Cabocla.

Mas mesmo o achando inofensivo se afastou.

Para observar de longe

A chegada da mãe no ninho.

Escondeu-se

Para não correr o risco

De ser percebida pela jacaroa alada.

Afinal,

Se o bichinho é desse jeito,

Imaginem a mãe,

Ou o pai da criança.

Horas se passaram,

E a índia

Ali, quietinha

Agachada naquele mesmo lugar.

O sol já começava a se pôr.

Logo-logo escureceria.

E o fuéfué

Ficava mais fraco

A cada hora que passava.

- Ele não resistirá muito tempo se não for alimentado.

Resmungou a índia,

Que cansada de esperar,

Foi correndo até a tribo

E buscou uma macaca bugia,

Que vivia com os índios.

Quando ainda era uma macaquinha

Ela foi encontrada órfã,

Perdida na floresta,

Mas agora já era adulta,

Tinha um filhote.

E estava amamentando.

Chegando na gruta a peluda ofereceu o peito

Para o bichinho escamoso

E o adotou.

Mudou-se então para lá

Com o seu macaquinho nas costas.

A Angelim

Passava o dia inteiro com eles.

E por isso chegou a ser questionada pelo pai,

O Cacique Cambuci:

- Por que Angelim tem sumido durante as horas do dia?

Perguntou o velho índio.

E a moça,

Meio sem jeito,

Disse que andava a procura de sua companheira,

A Macaca Pureza.

-Esse nome foi dado à Bugia

Por ela ter se tornado uma Puri,

Já que foi criada junto com os curumins da tribo.

Nesse tempo o jacaré de asas cresceu

E Angelim deu a ele

O nome de Dragão.

Foi em homenagem ao barulho

Que ele passou a emitir.

Lembrava o ronco de um trovão.

Ele soprava fumaça pelas ventas

Chegou a soltar chamas pela garganta

Como um vulcão.

Algum tempo e muitas quedas depois

Dragão realizou o seu primeiro vôo.

Foi uma festa.

Neste período ele já vivia na tribo.

E entre os índios contava-se a estória

De que a mãe dele morava onde o sol se põe

E que nas tardes escuras de tempestade

Ela ficava cuspindo fogo de lá

Para iluminar os caminhos do seu filhote

Como se um dia ele fosse voltar para casa.

O dragãozinho acreditava nisso

E sonhava com o dia

Em que perderia o medo

E sairia voando, voando,

Até aquele lugar no infinito.

Até que num de seus vôos noturnos

Que costumava fazer nas noites de muito calor.

O Dragão avistou um clarão se aproximando.

Chegou até a pensar que seria a sua mãezinha que veio lhe buscar.

Mas quando ele chegou perto

Viu que a luz vinha de tochas

Carregadas por um enorme grupo de índios,

Que marchava na direção da tribo.

Mas eram índios diferentes.

Aqueles tinham a pele clara

Como as penas da araponga

E alguns deles tinham os olhos da cor do céu.

O Dragão tinha uma excelente visão noturna,

Capaz de distinguir detalhes de cada um daqueles visitantes.

Angelim,

Alertada pelo seu amigo voador,

Rastejou pela mata até o local onde o grupo parou para pernoitar

E quando viu aquele povo ficou curiosa

Mas também com muito medo.

Porém o que ela não sabia é que os “peles brancas”

-nome que veio em sua cabeça naquele momento-

haviam cercado o acampamento com armadilhas de proteção

E a bela moça esbarrou em uma delas,

Chamando a atenção dos invasores.

Assustada montou no Dragão

E saíram voando desesperadamente.

O bando recém chegado,

Também amedrontado,

Jogou uma das tochas de fogo no bicho voador

E ele, astuto como um lagarto, corcoveou,

Desviando do fogo inimigo.

Porém, com o solavanco,

Angelim perdeu o equilíbrio

E caiu.

A ira tomou conta do jacaré alado que,

Pela primeira vez,

Utilizou como arma o seu bafo fervente,

Soprando furiosamente sobre o bando.

Depois de alguns rasantes na mata,

A procura de Angelim,

Sem encontrá-la,

Voltou-se na direção dos estranhos

E partiu para o ataque final.

Mas quando se preparava para o grande sopro,

Aspirando todo o ar que cabia nos seus pulmões,

Sentiu algo perfurar o seu peito:

Era uma flecha grande

Com uma ponta

que pôde ser vista quando,

No auge da dor,

Olhou para suas costas.

Seu corpo havia sido atravessado.

O objeto pontiagudo

tinha a mesma forma

da ponta do seu rabo

E era de uma pedra fria,

Lisa e brilhante.

Com isso,

despencou lá de cima.

Seu grito de dor foi escutado em todo o vale

E já no chão,

Viu a uma certa distância

A Angelim,

Que ainda respirava.

Rastejou até perto dela

E antes de alcançá-la,

Sucumbiu.

No mesmo momento,

A bela índia

Deu o seu último suspiro.

Naquele instante,

A natureza se enfureceu

E a língua de fogo

Que era vista lá longe,

No horizonte,

Apenas nas noites de tempestade,

Desta vez invadiu aquelas terras,

Inundando todo o vale

Com um rio de pedra derretida flamejante.

Do chão cresciam montanhas

Abriam-se grandes fendas.

Parecia o fim de tudo.

No dia seguinte,

Quando o grande rio de água voltou a correr,

Os Peles brancas haviam desaparecido

E os sobreviventes perceberam

Que ao longo do vale surgiu uma cordilheira

Que lembrava as costas do Dragão

E que próximo da cabeça da grande fera de pedra

Descansava serena

Uma grande montanha

Com o rosto da bela Angelim.

E até hoje

O grande Dragão está debruçado

Ao longo do vale do Rio Paraíba do Sul

Na região de Itaocara.

A cabeça descansa próximo

Da vila da Pureza,

Onde se acredita que a bugia passou a morar com seu filhote.

E ali perto

Dorme um sono profundo

A bela índia

No lugar que ganhou o seu nome:

- Angelim

Os Puris acreditavam

Que a sua bela guerreira,

Numa noite de tempestade,

Acordaria

E que sairia com o seu dragão,

Voando na direção do horizonte

Em busca da grande cortina de fogo

Soprada pela mãe

Do seu grande companheiro.