O Corno Manso
Na minha inocente infância, sem nenhuma vizinhança, morando naquele meu sertão, num sítio ou roça, como alguns preferem dizer, ainda não entendia o significado da palavra corno. Havia um costume de se fazer mutirões para realizar um serviço de maior monta, convidando trabalhadores que ofereciam seu trabalho apenas em troca de um bom almoço, quase sempre uma buchada, regada a uma boa cachaça, ocasião em que as conversas giravam em torno dos acontecimentos mais recentes na circunvizinhança, em volta de até uma légua e meia, que corresponde a nove quilômetros. Em um daqueles mutirões, na hora do almoço, gostosas gargalhadas, o assunto era sobre uma mulher que fugiu com outro, deixando o marido sozinho, com os filhos ainda pequenos para cuidar. A história tinha já o seu desfecho, satirizado pelo retorno da mulher, que teve boa acolhida do marido, que apenas se limitou a dizer: “arrependeu-se?, viu que o mundo lá fora tem muitas coisas a ensinar? Então, entre pra casa em vá cuidar dos seus filhos”. E, a partir daí, o homem que andava se lamentando pela ausência da mulher, passou a viver feliz, dizendo que agora tinha novamente com quem partilhar os trabalhos de casa.
Provavelmente ele aceitou aquela condição muito mais por conveniência do que pelo peso dos chifres, afinal alegava dificuldade para arranjar outra mulher com dupla função, de amante e dona de casa. No meio das fofocas, o homem era sempre lembrado como aquele que soube perdoar a mulher, que numa bela madrugada fugiu de casa na garupa de um cavalo alazão, com o seu novo príncipe. Saiu bem montada e voltou a pé, na companhia de uma pessoa da família, que foi buscá-la a pedido do marido, após uma ampla negociação entre as partes. Sabedor de que ela estava arrependida, ele a aceitava de volta, mediante a promessa de que nunca mais se atravesse a montar na garupa de outro cavalo alazão, em companhia de um amante. E assim o casamento refeito durou até que a morte os separou. O amor é lindo. E o perdão muito mais.