Carta de um ex viciado...
Carta de um ex-viciado...
Éramos uma turma unida, estávamos juntos desde o primeiro grau, morávamos em uma cidade pequena o que nos permitia um convívio quase que diário.
Como a maioria das pessoas, eu tinha um amigo especial, aquele que estava sempre ao meu lado, que tinha os mesmos projetos de vida, éramos da mesma classe social, compartilhávamos os mesmos sonhos de sucesso profissional, era mesmo o meu melhor amigo. Ele estivera de férias, em casa de parentes em Porto Alegre, um tempo curto, mas que certamente iria mudar toda a sua vida. O ano era 1984, o melhor ano de nossas vidas, ano de formatura, ano de buscar novos sonhos e realizações pessoais.
Pois bem, por ironia do destino, foi justamente esse meu amigo que um dia despretensiosamente me ofereceu drogas, de início agi como age a maioria dos jovens nessa situação, jovens que buscam experimentar o novo e que tem a curiosidade como condutora de suas ações.
No começo usávamos coisas leves, sempre levando para o lado da brincadeira, um dia com éter, no outro com um cigarro de maconha, usávamos os mesmos pretextos que todos os jovens usam, para fugir do mundo, se desligar dos problemas, os conflitos com os pais, fazer a cabeça.
Quantas e quantas horas de isolamento, perdendo dias preciosos de nossa juventude, desprezando o convívio familiar em troca de sensações ridículas, de alucinações infundadas, horas e dias de um tempo único, que jamais teríamos de volta, a juventude tragada por um cigarro de maconha, sonhos sendo desfeitos como a fumaça que insistíamos em aspirar, quanta ilusão.
Os dias ficaram difíceis, as drogas cada vez mais pesadas, as doses cada vez maiores, vieram o vício, a dependência, deixávamos tudo, sonhos, planos, projetos de vida, para nos anularmos, para nos privarmos da vida, morrendo aos poucos nas garras do vício. Numa manhã fria de junho, fui chamado na casa desse amigo, pois seu pai havia encontrado drogas em seu bolso e sem saber que eu também estava envolvido, me dizia o quanto me admirava por não ser igual ao seu filho, isso para mim foi realmente a gota d’água, foi o fim.
Voltei à vida, resolvi parar com tudo a partir daquele momento e por muitas vezes e vários dias tentei ajudar meu grande amigo a parar também, mas não obtive sucesso. Tomei a triste decisão de ir embora, abandonar minha cidade em busca de meus sonhos, aqueles que eu tinha antes de ter me tornado refém desse monstro terrível chamado dependência química. Lutei com todas as forças possíveis, sofri muito, passei por dias quase insuportáveis, mas venci e em pouco tempo pude enfim retomar as rédeas de minha vida.
Vocês devem estar se perguntando que fim levou esse meu grande amigo, o companheiro de sonhos, de ambições, pois bem, o encontrei duas vezes depois desse período sombrio de nossas vidas. A primeira vez que o vi, ele estava deitado em uma calçada, coberto por jornais, isolado da família, totalmente à margem da vida, ainda tentei conversar, provar que ainda havia uma saída, que como eu parei e me reconstruí ele também conseguiria, mas não senti nele vontade alguma, não reconheci nele aquele jovem promissor, cheio de ambições e de vida e simplesmente me distanciei, com o coração apertado, angustiado, mas sabia que infelizmente não poderia fazer mais nada.
A propósito, na última vez que o vi, estava frio, distante, nem pude abraçá-lo como nos velhos tempos, nem pude contar a ele que estava na faculdade, que minha filha iria nascer, que muitos dos sonhos que tínhamos tido juntos eu estava conseguindo realizar, nem pude dizer o quanto ele tinha sido importante em minha vida e relembrarmos que juntos fizemos tanto, vivemos os melhores e os piores dias de nossa adolescência. Nossos sonhos, nossos planos, nossas ambições já não o sensibilizavam mais, meu melhor amigo, meu irmão, companheiro inseparável, já não me ouvia mais, pois já fazia parte de outra estatística, estava morto, vítima de uma over dose, assim como muitos casos que povoam o noticiário diariamente.
Adilson R. Peppes.