A garota com a camisa do sex pistols
A noite de ontem talvez não tenha sido nada demais, talvez esteja dando uma importância maior. Quando acordei hoje depois das 14 horas, encontrei meus avós na sala, como de costume, jogavam baralho. Minha avó me perguntou se eu tinha saído de noite. Menti e disse que não, ela sempre me espera acordar para perguntar, nunca quando eu chego da padaria. Se eu tivesse respondido que sim, da próxima vez ela ficaria mais alerta e iria acabar me pegando no flagra, isso arruinaria minha noite, ela só dorme quando eu chego, por causa disso, acabo tendo que sair dos lugares bem cedo, justo na hora em que iria começar a ficar bom. Sinto um aperto muito grande no coração ao imaginar a velha me esperando, ela em primeiro lugar. Sempre opto pelo esquema de esperar eles dormirem e sair de fininho, isso tem funcionado.
Ontem foi sábado, como todos os finais de semana, um dia para se divertir, não tinha aulas na faculdade, estudo de noite o que significava o dia inteiro só para a diversão. Acordei bem tarde, cumprimentei meus avós e almocei sentado na frente do computador. Conectei a internet e encontrei meus amigos, ficamos conversando a tarde inteira e fizemos planos para aquela noite. Dia de pizza, um rodízio bom e barato, uma cerveja e colocar o papo em dia. Desconectei para tomar banho e me arrumar.
Converso com meus avós, aviso que não irei demorar muito, no máximo meia-noite já estarei em casa. Peço uma grana ao meu avô, nesses tempos de faculdade ele é o meu patrocinador. Coloco a grana no bolso e vou ao encontro de meus amigos na praça. Sou o último a chegar. Murilo, Gabriela, Matheus e Eduardo já estavam a minha espera. Nos cumprimentamos e fomos caminhando até a pizzaria.
Foi uma longa caminhada, aproveitamos para contar muitas histórias, típico programa de jovens. Caminhamos cerca de trinta minutos, quando chegamos na pizzaria, nossa mesa já estava preparada, Matheus era muito prático para essas coisas, sempre era ele que fazia as reservas. Enquanto comíamos, dois amigos entraram na pizzaria: Tatiana e Tarcísio vinham com um folder em mãos, era um festival gótico no inferninho, iria começar à meia-noite, hora propícia para uma festinha do tipo. Eduardo foi o único de nós que não quis ir, disse que no dia seguinte teria que acordar cedo para treinar. Eduardo tinha um time de futebol, era o capitão, não podia faltar.
Combinamos de nos encontrarmos na mesma praça perto da meia-noite. Pagamos a conta da pizzaria. Ainda eram 23 horas quando cheguei em casa, minha avó acordada, estava deitada no sofá da sala vendo televisão, ela sempre faz isso, passa o tempo inteiro brigando contra o sono. Dei um abraço nela e a esperei ir deitar, fui para o meu quarto, liguei o computador e fiquei ouvindo um pouco de som no fone, esperando dar a hora de partir. Abri a porta do quarto e a tranquei novamente por fora, meus avós roncavam, indício que já estavam avançados no sono. Fui de encontro a meus amigos.
Quando cheguei, Murilo apontou para minha camisa e deu uma risada. Realmente, usava uma camisa do radiohead, banda inglesa que não condiz muito com o espírito gótico da festa que estamos indo. Por outro lado, quem era ele para rir de mim? Usava uma camisa do pearl jam. O inferninho não era muito longe da praça, encontramos muitos jovens fazendo concentração para o festival, conversavam e fumavam bastante.
O valor da entrada era muito baixo, pagamos e entramos. Nunca entendi o apelido de inferninho, era na cobertura de um shopping, tinha um bom sistema de ventilação, um grande espaço físico, um bom bar onde as bebidas eram servidas, uma lanchonete com videokê e um boliche.
No folder da festa estava toda a programação: apresentação de teatro, todos caracterizados de vampiros, algumas bandas da cidade tocando, jogos de RPG e concurso de piadas de humor negro. Achei que o ambiente seria bem mais pesado do que foi, pensei que seria um pouco hostilizado, confundido com indie e careta, devido a camisa ou algo assim, mas foi bem tranqüilo. Tinha até um rapaz menor de idade que foi acompanhado do avô.
A única banda que me interessou foi uma chamada Devourer, um cara que estuda comigo é o baixista. Eles iniciaram o show tocando um cover de Lacuna coil, o nome da música Tight rope, o que me fez ficar muito agitado e de leve socar Matheus, que pulava ao meu lado. Estava curtindo tanto o show que iniciei um o corinho de: Toca Raul! O que no final da apresentação se fez presente com sua sociedade alternativa.
Videokê e boliche após Devourer, nenhum outro show me atraiu. Com Matheus e Tati fomos até a lanchonete comer alguma coisa. Tati se empolgou com a idéia do videokê e me arrastou com ela, lembro que cantamos apenas uma música: Time after time da Cindy Lauper! Valha-me Deus, no meio de um festival gótico estávamos cantando essa música. Depois disso jogamos um pouco de boliche, na verdade nem pagamos, apenas jogamos as bolas para derrubar os pinos nas pistas, como estava desligado, os pinos não voltavam para o lugar, a brincadeira durou pouco.
Gabriela se despediu de nós cedo, disse que quando eu fosse embora, passasse em sua casa, ela ficou de me emprestar o livro: “Grande sertão: veredas”, respondi que iria. Ela estaria no computador que fica em um quartinho do lado de fora da casa, a luz estaria acesa, era só chamar. Murilo ficou de ir comigo mas na hora deu para trás, queria ficar mais na festinha, fiquei um pouco aborrecido e acabamos tendo uma pequena discussão. Me despedi de todos e fui buscar o livro. Acabei não vendo o festival de piadas de humor negro, o show de teatro de vampiros e os jogos de RPG.
O problema de chegar até a casa da Gabriela é a longa subida, uma rua gigante, uma subida íngreme, uma coisa bastante complicada para se fazer depois das três horas da manhã. Cheguei e a chamei baixinho, não queria acordar seus familiares. Ela veio rapidamente com o livro em mãos e uma garrafa de amarula, adoro amarula. Ficamos conversando um bom tempo, dando goles direto no gargalo. O sol começou a raiar e nos despedimos. Ela me deu a garrafa. Fui embora com o livro embaixo do braço e a garrafa na mão.
Relógio apontava seis horas da manhã, me sentei na praça, tinha que esperar mais uma hora, a padaria perto de casa abre por volta das sete horas, todas as manhãs faço lá um pequeno lanche antes de me deitar e dormir, é o meu álibi com meus avós. Chegando essa hora, posso dar a desculpa que saí de casa para fazer o tradicional lanche.
Ela chegou, linda, cabelo loiro curtinho, usava uma camisa preta do Sex pistols e uma calça jeans apertada e rasgada, delineando as pernas grossas. Como diria Murilo: "delicinha". Minha noite que na verdade já era manhã poderia terminar muito bem. Ela se sentou em um banco ao lado do meu, fiquei tentando lembrar se a tinha visto na festa, não me recordava. Trocamos olhares diversas vezes, até que tomei coragem a chamei para se sentar ao meu lado.
Depositou seu estonteante traseiro ao meu lado e cruzou as pernas, no começo não quis muito papo, até que resolveu me testar:
- Qual o nome do vocalista do Sex pistols? – Falou isso tão de repente que me assustei um pouco, mas não demorei a responder.
- Joseph Lydon!
Ela abriu um sorriso e ficou mais receptiva, conversamos um pouco, ofereci um gole de amarula, ela agradeceu a bebida e continuou com a garrafa na mão, até que se levantou, me deu um beijo na boca e foi embora carregando a minha garrafa. Desgraçada, mas até que foi bom, como eu poderia chegar em casa com uma garrafa de bebida na mão? Fiquei a observando, Johnny Rotten com seus cabelos espetados cantando nas costas de sua camisa.