NESTOR, PAZ E AMOR
... Acolheram-no com o mais puro espírito fraterno do Cristianismo. Assearam-no, alimentaram-no, era pois, licitamente natural perguntas quanto ao estranho pairarem sobre as cabeças daquela pequena comunidade:
--- Quem é você? ... De onde vem, irmão?
--- Uma baleia... --- balbuciou confuso o peregrino --- uma baleia me deixou aqui.
--- Uma baleia?!!! --- admiraram surpresos. --- mas nem mar tem por aqui?!!!
E mais se admiraram ainda.
Como um presente dos céus, jazia ali, no solo do alpendre da casa de orações, ferrado num sono capaz de aturar as altissonantes trombetas de Jericó.
A imobilidade da surpresa passara. Detiveram-se, pois, a observar o corpo imóvel, cuja estatura mediana, trazia os cabelos em desalinho, confundindo seus limites com a própria barba crescida e suja; de aparência castigada, expunha claramente os encaixes dos ossos ante a ausência de mínima musculatura; nos pés, sapatos velhos aparentavam ser bem maiores que as formas ali calçadas, a exemplo da calça e camisa surradas, sobrepostas por um colete em pior estado.
Assim, um grupo de irmãos vindo para as orações matinais teve o seu primeiro contato com Nestor; e como se via, o conjunto da obra não era de meter medo.
Confabularam a cena e chamaram o dirigente maior.
Quem olhar a tosca placa “Igreja Deus Paratodos”, fincada à frente da modesta casinha do Sr. João Espeto, não será capaz de avaliar a humildade e a perseverança de seus membros.
Homem rude e de pouca instrução, compensa-o um coração a bater-lhe cordato e caridoso a ponto de rivalizá-lo a um santo católico.
Digno dessa qualificação fundamental para cuidar de homens, não foi difícil ao velho ex-açougueiro assumir a direção espiritual da casa. Forças divinas --- por assim dizer --- se incumbiram de alargar o entendimento do viúvo pai de três filhos, inspirando-lhe a vocalização no envio das boas novas aos seus irmãos.
Razão tem a sabedoria popular ao dizer que “Deus ao tirar um dente aumenta o espaço da garganta”, de forma que em detrimento do intelecto, foi-lhe exaltado o coração. Assim, a mão do Senhor proveio um novo dirigente para honrá-lo no dia a dia.
Ninguém soube explicar ao dirigente que chegara e se mostrava preocupado, a origem daquela criatura, tampouco, a razão dela estar ali. Debalde fizeram-lhe perguntas e o que obtinham não passavam de simbólicas palavras ou de frases desconexas, ignoradas na realidade e no conhecimento local.
A realidade finalmente saltou aos olhos do dirigente a presenciar o estado desesperador daquele homem desamparado e semimorto.
Mirando-se na boa ação do justo samaritano, ordenou:
--- Ele carece cuidados. Tragam-no para dentro!
Ele esteve com um pé em Woodstock. Assimilara de tal forma a cultura hippie que aos 16 incompletos botara os pés na estrada. Nela por vários anos usufruiu da liberdade sexual utilizando-se da força de sua juventude; paralelamente, instigado pela coerção do meio, mergulhou no mundo negro das drogas, onde, seduzido às decantadas viagens psicodélicas de Leary e demais experiências com outros “bagulhos”, desceu às raias mais sórdidas da miséria humana. Anos de lutas e recuperação, livraram-no daquele mundo tenebroso. Restara-lhe, então, os bálsamos da religião para agasalhar sua desventura.
Nestor possuía minguado conhecimento da Bíblia Sagrada, fruto da iniciação cristã, não o impedindo, entretanto, de ler e a interpretar, a seu talante, os mistérios da esotérica Cabala judaica, ao tempo em que parte de seu tempo era consumido pelos milenares livros sagrados da intrigante cultura milenar indiana, desdobrando-se aos mistérios do antigo Egito. Em sua infatigável sede de consolo ou de saber, embrenhou-se por terras do Tibet sequioso pela sabedoria dos Lamas; lá, tomou conhecimento de Blavatski e sua cultura teosófica; dada a ocasião, não perdeu tempo em conhecer outras filosofias orientais. A experiência estudada lhe dizia não haver nada de novo sob o sol, todas as inovações tecnológicas, os progressos humanos nos diversos campos já eram conquistas de milênios atrás! “Onde então se situaria a vida presente em relação ao passado?” Perguntava. “Estaríamos por acaso simplesmente revivendo a história de uma outra história construída e vivida por civilizações já desaparecidas?” “Restaria razão de lutar e viver por uma nova ordem, ou seríamos apenas marionetes de um “script” requentado”?
Fatigado, o cérebro não teve descanso. Na esteira dos acontecimentos vieram teses espiritualistas, espirituais e, de quebra, alguns estudos dos cultos africanos acabando,fascinado, caindo nos braços do realismo fantástico da ufologia. Um Deus nos acuda!
Em pouco menos de dez anos, o arcabouço mental de Nestor, diante de tal volume de informações, transformou-se numa rinha de conflitos e contradições. Atou-lhe de tal forma um nó inextricável nos miolos, cujo resultado evoluiu a uma mixórdia. E com tudo aquilo desajustado por dentro, efervescendo suas idéias e desnorteando seus rumos, vagou bons pares de anos pelo mundo, até vir cair no meio do puritanismo daquela gente interiorana.
Em pleno século XX, o vilarejo de Gameleiras em nada difere de tantos outros encravados nos grotões do centro do país. A população, por força do equilíbrio entre os encomendados de berços e os baixados às covas, tem empatado a estatística demográfica. Assim a comunidade não tem ido além de quinhentos viventes. Não se tem notícia de um número maior. Raros são os que por aqui passam, dada a insignificância do lugar. Visitas de parentes também são raras.
As poucas casinhas com seus espaçosos quintais, de rústicas privadas, chiqueiros fedorentos, animais e aves soltas em meio aos viçosos pomares, foram construídas isoladas, constituindo um arremedo de organização urbana.
Dos benefícios da civilização que se avizinha apenas a eletricidade chegou por lá; demais recursos de saúde, educação, segurança, bancário etc. o vilarejo não dispõe. Para tanto, recorrem à cidade vizinha.
Quanto à vida noturna, pode-se dizer que não existe, pois a maioria mal espera anoitecer para recolher-se.
A vida religiosa organizada se resume em poucos fiéis e seus familiares oficiando um culto diário sob o comando de um pedreiro. Já os demais, segundo eles, optaram pelo discernimento e comportamento particulares, seguindo os ditames de seus foros íntimos, invariavelmente orientados para o norte da moral e dos bons costumes, vivendo segundo a vontade e os preceitos de Deus.
João Espeto ficara viúvo por ocasião do parto do último filho. O menino se salvara e viria a compor o quarteto de homens dentro de casa, sabendo-se o irmão mais velho não ter mais que três anos que o recém nascido.
Coincidiam seis meses atrás, aparecer no vilarejo o misterioso Nestor. Poucas semanas antes, coincidia também dos religiosos deixarem o salão tradicional de reuniões e mudarem para a acanhada morada de seu dirigente. No início da convivência, a boa vontade deu guarida a todas as necessidades, tanto da comunidade religiosa que veio praticamente de mala e cuia, quanto aos nativos da casa, inclusive o acolhido Nestor.
Todavia aquele ninho de concórdia não duraria sempre.
Os três meninos, filhos do pastor viúvo, por conta do desconforto e da bagunça doméstica, começavam a impacientar-se com aquilo e sentiram-se no direito de apelar ao pai por uma providência capaz de trazer a normalidade anterior. O velho dirigente tolhido por excessiva humildade, sentia-se constrangido em apelar aos pares, causando frustração aos garotos.
--- Sendo assim...
Dito e feito. Terminado o banheirinho de tábuas superpostas, construído num dos cantos da casa que dá entrada para a sala do culto, esperavam com tal providência sanar um dos problemas entre a família e os novos ocupantes. Mal inauguraram a obra, esta já exibia as marcas da ação dos três irmãos: uma verruma abrira um discreto furo na tábua, altura dos joelhos, pelo qual passaram a espionar as mulheres no uso do banho.
Em se tratando de banhos vamos à velha relutância da cultura hippie em relação a fugir deles, legado de maior influência em Nestor. Contentava-se, ao findar do dia, em lavar o rosto, escorrer um fio d’àgua pelos braços e, vez por outra, apresentar os pés a ela. Com muita insistência conseguiram convencê-lo a banhar-se semanalmente; não menos! O diabo é que seus banhos eram de consumir uma encorpada bola de sabão caseiro, demorando horas, e por conta disso desagradava a todos, inclusive os meninos, que arquitetaram pegar o “doidim” no banho.
Naquela bela manhã de sábado, o convívio da assembléia se estreitava em razão do dia guardado. A reunião corria festiva, embalada pelos cânticos gloriosos e pelas exaltações ao alto. Nestor que tirara o dia para banhar-se, --- o que fazia no momento --- tinha dificuldades em louvar juntamente aos demais ao lado e, simultaneamente equilibrar a volumosa bola de sabão escorregadia no ato de ensaboar-se. Meia hora se passava; os meninos, munidos de toalhas, impacientavam-se com a demora. Não por acaso, na tarde anterior, receberam uma reprimenda do pai convocando-os para o culto daquela manhã.
Grande parte do hinário fora cantado e nem sinal de Nestor desocupar o banheiro.
--- Tá demorano! Impacientou-se um dos meninos.
--- Intão?...
Todos concordaram encaminhando-se ao quintal.
Ninguém chamou por nome de santo algum, ali não comungavam a crença católica, mas quando o velho hippie adentrou inesperadamente aos gritos na sala contígua lotada de fiéis, esparramava espuma da farta pelagem nua a todos e a tudo! Diante do insólito acontecendo, alguns se paralisaram no espanto surpreendente, confundindo os gritos do nu desmiolado a uma nova modalidade de louvação; outros, por sua vez, passada a perplexidade, investiam nas duas portas de saída do cômodo. Mulheres gritavam, homens fugiam e o pandemônio se estabelecia diante das gargalhadas dos três arteiros.
Acalmados os ânimos, agasalharam o velho hippie que, ensimesmado ainda, revelou com os olhos esbugalhados:
--- Foi como se um raio descesse em mim!... um trem forte correu no meu corpo, me estremeci todo!... Caí fora!
--- Mais precisava ser naquela situação, irmão?
--- Como?
--- Ora, como?!!! Pelado!
--- Você que estivesse no meu lugar!
--- Pegasse com Deus!
--- E deu tempo?!!!
--- Questão de fé, irmão!
--- Rapaz, eu vi o capeta lá dentro! E encerrou a questão.
Rente à parede, no quintal, os meninos seguravam o riso, dobrando um longo fio elétrico.
--- Amoita... num deixa o pai vê.
Desde então, o discreto buraco da verruma teria uma nova utilidade.
--- Quem é você? ... De onde vem, irmão?
--- Uma baleia... --- balbuciou confuso o peregrino --- uma baleia me deixou aqui.
--- Uma baleia?!!! --- admiraram surpresos. --- mas nem mar tem por aqui?!!!
E mais se admiraram ainda.
Como um presente dos céus, jazia ali, no solo do alpendre da casa de orações, ferrado num sono capaz de aturar as altissonantes trombetas de Jericó.
A imobilidade da surpresa passara. Detiveram-se, pois, a observar o corpo imóvel, cuja estatura mediana, trazia os cabelos em desalinho, confundindo seus limites com a própria barba crescida e suja; de aparência castigada, expunha claramente os encaixes dos ossos ante a ausência de mínima musculatura; nos pés, sapatos velhos aparentavam ser bem maiores que as formas ali calçadas, a exemplo da calça e camisa surradas, sobrepostas por um colete em pior estado.
Assim, um grupo de irmãos vindo para as orações matinais teve o seu primeiro contato com Nestor; e como se via, o conjunto da obra não era de meter medo.
Confabularam a cena e chamaram o dirigente maior.
Quem olhar a tosca placa “Igreja Deus Paratodos”, fincada à frente da modesta casinha do Sr. João Espeto, não será capaz de avaliar a humildade e a perseverança de seus membros.
Homem rude e de pouca instrução, compensa-o um coração a bater-lhe cordato e caridoso a ponto de rivalizá-lo a um santo católico.
Digno dessa qualificação fundamental para cuidar de homens, não foi difícil ao velho ex-açougueiro assumir a direção espiritual da casa. Forças divinas --- por assim dizer --- se incumbiram de alargar o entendimento do viúvo pai de três filhos, inspirando-lhe a vocalização no envio das boas novas aos seus irmãos.
Razão tem a sabedoria popular ao dizer que “Deus ao tirar um dente aumenta o espaço da garganta”, de forma que em detrimento do intelecto, foi-lhe exaltado o coração. Assim, a mão do Senhor proveio um novo dirigente para honrá-lo no dia a dia.
Ninguém soube explicar ao dirigente que chegara e se mostrava preocupado, a origem daquela criatura, tampouco, a razão dela estar ali. Debalde fizeram-lhe perguntas e o que obtinham não passavam de simbólicas palavras ou de frases desconexas, ignoradas na realidade e no conhecimento local.
A realidade finalmente saltou aos olhos do dirigente a presenciar o estado desesperador daquele homem desamparado e semimorto.
Mirando-se na boa ação do justo samaritano, ordenou:
--- Ele carece cuidados. Tragam-no para dentro!
Ele esteve com um pé em Woodstock. Assimilara de tal forma a cultura hippie que aos 16 incompletos botara os pés na estrada. Nela por vários anos usufruiu da liberdade sexual utilizando-se da força de sua juventude; paralelamente, instigado pela coerção do meio, mergulhou no mundo negro das drogas, onde, seduzido às decantadas viagens psicodélicas de Leary e demais experiências com outros “bagulhos”, desceu às raias mais sórdidas da miséria humana. Anos de lutas e recuperação, livraram-no daquele mundo tenebroso. Restara-lhe, então, os bálsamos da religião para agasalhar sua desventura.
Nestor possuía minguado conhecimento da Bíblia Sagrada, fruto da iniciação cristã, não o impedindo, entretanto, de ler e a interpretar, a seu talante, os mistérios da esotérica Cabala judaica, ao tempo em que parte de seu tempo era consumido pelos milenares livros sagrados da intrigante cultura milenar indiana, desdobrando-se aos mistérios do antigo Egito. Em sua infatigável sede de consolo ou de saber, embrenhou-se por terras do Tibet sequioso pela sabedoria dos Lamas; lá, tomou conhecimento de Blavatski e sua cultura teosófica; dada a ocasião, não perdeu tempo em conhecer outras filosofias orientais. A experiência estudada lhe dizia não haver nada de novo sob o sol, todas as inovações tecnológicas, os progressos humanos nos diversos campos já eram conquistas de milênios atrás! “Onde então se situaria a vida presente em relação ao passado?” Perguntava. “Estaríamos por acaso simplesmente revivendo a história de uma outra história construída e vivida por civilizações já desaparecidas?” “Restaria razão de lutar e viver por uma nova ordem, ou seríamos apenas marionetes de um “script” requentado”?
Fatigado, o cérebro não teve descanso. Na esteira dos acontecimentos vieram teses espiritualistas, espirituais e, de quebra, alguns estudos dos cultos africanos acabando,fascinado, caindo nos braços do realismo fantástico da ufologia. Um Deus nos acuda!
Em pouco menos de dez anos, o arcabouço mental de Nestor, diante de tal volume de informações, transformou-se numa rinha de conflitos e contradições. Atou-lhe de tal forma um nó inextricável nos miolos, cujo resultado evoluiu a uma mixórdia. E com tudo aquilo desajustado por dentro, efervescendo suas idéias e desnorteando seus rumos, vagou bons pares de anos pelo mundo, até vir cair no meio do puritanismo daquela gente interiorana.
Em pleno século XX, o vilarejo de Gameleiras em nada difere de tantos outros encravados nos grotões do centro do país. A população, por força do equilíbrio entre os encomendados de berços e os baixados às covas, tem empatado a estatística demográfica. Assim a comunidade não tem ido além de quinhentos viventes. Não se tem notícia de um número maior. Raros são os que por aqui passam, dada a insignificância do lugar. Visitas de parentes também são raras.
As poucas casinhas com seus espaçosos quintais, de rústicas privadas, chiqueiros fedorentos, animais e aves soltas em meio aos viçosos pomares, foram construídas isoladas, constituindo um arremedo de organização urbana.
Dos benefícios da civilização que se avizinha apenas a eletricidade chegou por lá; demais recursos de saúde, educação, segurança, bancário etc. o vilarejo não dispõe. Para tanto, recorrem à cidade vizinha.
Quanto à vida noturna, pode-se dizer que não existe, pois a maioria mal espera anoitecer para recolher-se.
A vida religiosa organizada se resume em poucos fiéis e seus familiares oficiando um culto diário sob o comando de um pedreiro. Já os demais, segundo eles, optaram pelo discernimento e comportamento particulares, seguindo os ditames de seus foros íntimos, invariavelmente orientados para o norte da moral e dos bons costumes, vivendo segundo a vontade e os preceitos de Deus.
João Espeto ficara viúvo por ocasião do parto do último filho. O menino se salvara e viria a compor o quarteto de homens dentro de casa, sabendo-se o irmão mais velho não ter mais que três anos que o recém nascido.
Coincidiam seis meses atrás, aparecer no vilarejo o misterioso Nestor. Poucas semanas antes, coincidia também dos religiosos deixarem o salão tradicional de reuniões e mudarem para a acanhada morada de seu dirigente. No início da convivência, a boa vontade deu guarida a todas as necessidades, tanto da comunidade religiosa que veio praticamente de mala e cuia, quanto aos nativos da casa, inclusive o acolhido Nestor.
Todavia aquele ninho de concórdia não duraria sempre.
Os três meninos, filhos do pastor viúvo, por conta do desconforto e da bagunça doméstica, começavam a impacientar-se com aquilo e sentiram-se no direito de apelar ao pai por uma providência capaz de trazer a normalidade anterior. O velho dirigente tolhido por excessiva humildade, sentia-se constrangido em apelar aos pares, causando frustração aos garotos.
--- Sendo assim...
Dito e feito. Terminado o banheirinho de tábuas superpostas, construído num dos cantos da casa que dá entrada para a sala do culto, esperavam com tal providência sanar um dos problemas entre a família e os novos ocupantes. Mal inauguraram a obra, esta já exibia as marcas da ação dos três irmãos: uma verruma abrira um discreto furo na tábua, altura dos joelhos, pelo qual passaram a espionar as mulheres no uso do banho.
Em se tratando de banhos vamos à velha relutância da cultura hippie em relação a fugir deles, legado de maior influência em Nestor. Contentava-se, ao findar do dia, em lavar o rosto, escorrer um fio d’àgua pelos braços e, vez por outra, apresentar os pés a ela. Com muita insistência conseguiram convencê-lo a banhar-se semanalmente; não menos! O diabo é que seus banhos eram de consumir uma encorpada bola de sabão caseiro, demorando horas, e por conta disso desagradava a todos, inclusive os meninos, que arquitetaram pegar o “doidim” no banho.
Naquela bela manhã de sábado, o convívio da assembléia se estreitava em razão do dia guardado. A reunião corria festiva, embalada pelos cânticos gloriosos e pelas exaltações ao alto. Nestor que tirara o dia para banhar-se, --- o que fazia no momento --- tinha dificuldades em louvar juntamente aos demais ao lado e, simultaneamente equilibrar a volumosa bola de sabão escorregadia no ato de ensaboar-se. Meia hora se passava; os meninos, munidos de toalhas, impacientavam-se com a demora. Não por acaso, na tarde anterior, receberam uma reprimenda do pai convocando-os para o culto daquela manhã.
Grande parte do hinário fora cantado e nem sinal de Nestor desocupar o banheiro.
--- Tá demorano! Impacientou-se um dos meninos.
--- Intão?...
Todos concordaram encaminhando-se ao quintal.
Ninguém chamou por nome de santo algum, ali não comungavam a crença católica, mas quando o velho hippie adentrou inesperadamente aos gritos na sala contígua lotada de fiéis, esparramava espuma da farta pelagem nua a todos e a tudo! Diante do insólito acontecendo, alguns se paralisaram no espanto surpreendente, confundindo os gritos do nu desmiolado a uma nova modalidade de louvação; outros, por sua vez, passada a perplexidade, investiam nas duas portas de saída do cômodo. Mulheres gritavam, homens fugiam e o pandemônio se estabelecia diante das gargalhadas dos três arteiros.
Acalmados os ânimos, agasalharam o velho hippie que, ensimesmado ainda, revelou com os olhos esbugalhados:
--- Foi como se um raio descesse em mim!... um trem forte correu no meu corpo, me estremeci todo!... Caí fora!
--- Mais precisava ser naquela situação, irmão?
--- Como?
--- Ora, como?!!! Pelado!
--- Você que estivesse no meu lugar!
--- Pegasse com Deus!
--- E deu tempo?!!!
--- Questão de fé, irmão!
--- Rapaz, eu vi o capeta lá dentro! E encerrou a questão.
Rente à parede, no quintal, os meninos seguravam o riso, dobrando um longo fio elétrico.
--- Amoita... num deixa o pai vê.
Desde então, o discreto buraco da verruma teria uma nova utilidade.