BIL E ZEFA

No ano de 1915 houve uma grande seca no estado da Paraíba.

No alto sertão paraibano, numa região de difícil acesso, morava um jovem casal de agricultores. Ele se chamava Severino e ela Josefa. Por serem muito unidos, eram conhecidos como Bil de Zefa e Zefa de Bil. Trabalhavam arduamente no inverno para que não faltasse o mantimento na época de estiagem. Mas naquele ano a coisa ficou braba.

Um dia Bil amanheceu arreatado da vida:

- mulé, hoje eu tô com a gota

-mas o que foi home? – Zefa fala toda faceira, com a cara de quem quer chamego

-o que foi? A gente só tem meia cuia de farinha e um taco de rapadura, mal dá pra passar o dia de hoje. Sem sustança o cabra amolece, tu quer um cabra mole, quer? e não me venha com esse dengo não, que hoje eu tô negando fogo!

- oxente home, num fique aperreado não, Nosso Sinhô dá jeito pra tudo. Mas num me negue fogo não.

- é, mas eu num vou morrer torrado nessas brenhas não. Vou caçar preá, tatu, calango. Mas de fome eu num morro, não sinhora.

- vixi que brabeza! eu vou também, num vou morrer sozinha não.

- vai ficar sim sinhora, pra que serve mulé numa hora dessas?

- ara! Pra conzinhar o preá, o tatu, o calango... e dá chêro no teu cangote...

- Ô mulé tinhosa da gota!

Naquele mesmo dia eles meteram o pé na estrada, mas antes de sair Bil se surpreendeu com Zefa arrancando a porta da casa:

- valei-me Nossa Sinhora do Disterro! Que presepada é essa, o que tu ta fazendo mulé?

- ara! Vou levar a porta. De dia agente fica debaixo dela pro mode o sol e de noite agente deita em riba dela.

E lá se vão os dois debaixo da porta. Depois de muito andar pela mata seca, eles avistam um umbuzeiro frondoso, que milagrosamente havia sobrevivido à seca.

Era quase noite, resolveram ficar por ali para pernoitar.

Tarde da noite ouviram barulho de cascos de jumento.

- só pode ser assombração!

- vamos pra riba do pé de umbu

- tu sobre primeiro, depois eu te dou a porta – falou Zefa

- e o que nós vai fazer como essa porta aqui em riba, mulé de Deus?

- ela é tudo que nós têm!

Como muita dificuldade eles se acomodaram nas galhas do umbuzeiro.

Dois sujeitos pararam ali, amarram os jumentos no tronco da árvore e em seguida sentaram para descansar:

- Ô veio safado, juntando dinheiro pra terra!

- eu devia ter passado a peixeira naquele desgraçado

- mas o bicho veio ficou amarrado, vai secar até morrer - gargalhadas.

- o que tu vai fazer com essa dinheirama?

- vou morar num cabaré. Vixi mãe! Todo dia uma quenga diferente...

- ouxe, tu vai ficar pobre do dia pra noite.

- pobre mais feliz

E os dois em cima do umbuzeiro escutavam toda a conversa:

- vixe Maria! É Neco e Bento! - Cochichou Bil

- Misericórdia! Pobrezinho do Seu Eulálio

Neco e Bento eram os capatazes da fazendo de Seu Eulário, o homem mais rico daquelas bandas.

E os dois continuaram a fazer planos com o dinheiro roubado:

- ô vidão! Pra melhorar só falta chover

- vou mijar em riba deles – cochichou Bil

- tu ta doido, eles vão matar nós.

- vai não, mija também.

- Ô cabra doido da gota

E assim foi feito:

- ta chovendo! – falou Bento aparando a urina com a boca.

- ô água ruim do cão! – sacou a espingarda e deu um tiro pro alto.

Com o susto Bento derrubou a porta sobre eles.

- valei-me São Jesus Cristinho, isso é castigo do céu! Falou Neco.

E os dois deixaram tudo e se embrenharam na mata seca até hoje ninguém sabe do paradeiro deles.

O dia já estava amanhecendo quando os dois tremendo de medo resolveram descer do umbuzeiro.

- vixe Mãe Santíssima quanto dinheiro! O que nós vai fazer com essa dinheirada toda? – falou Zefa

- ara, vamos entregar ao dono.

- mas tu é cabra besta! Achado num é roubado

- mas quando a gente sabe quem é o dono é mesmo que ser.

E os dois foram procurar Seu Eulálio:

- Ô de casa? Perguntou Bil

- Ô de fora, qual é a sua graça? – uma voz cansada parte de dentro da casa.

- é Bil, fio de Zé das cabras.

- se aprochegue meu fio.

Encontraram o pobre velho num estado lastimável. Depois de cuidarem dele, narraram tudo o que tinham presenciado durante a noite anterior.

O velho comovido falou:

- eu tinha aqueles dois como cria minha, eles comiam na minha mesa. Mas eu fui ficando veio e enviuvei. Aí eles começaram a tomar conta de tudo como se fosse deles. Venderam quase tudo. Quando percebi, resolvi guardar o meu dinheirinho. Eu ia enterrar numa botija para que fosse achado por uma pessoa de bom coração. Ainda bem que não vou me dá a esse trabaio, eu já achei essa pessoa, o dinheiro é seu meu fio.

Com pouco tempo o velho faleceu deixando todos os bens para o jovem casal.

Também veio a chuva. Bil e Zefa prosperaram e foram felizes para sempre.

jambo
Enviado por jambo em 27/10/2009
Reeditado em 27/10/2009
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