O Tocador de Sanfona
Zangado, endividado e desempregado, Juvêncio, o Tocador de Sanfona estava de mal a pior.
No sábado, ao meio-dia, sua esposa lhe perguntou:
- Você não pegou nem um arrasta-pé para tocar hoje?
O marido enfurecido lhe respondeu:
- Não! Parece que ninguém mais quer me contratar.
Dona Joaquina, a esposa brava, disse-lhe:
- Você precisa dar um jeito... Não tem mais nada na despensa. Não sei o que fazer para os meninos comerem.
O homem bravo, dando socos no ar disse em alto e bom tom:
- Hoje toco nem que seja no inferno!
A mulher lhe respondeu com fúria:
- Desde que você traga dinheiro, pode tocar até para o chifrudo!
Juvêncio pegou sua sanfona e saiu a pé, sem destino... Andou muito e já de noitinha, cansado, descorçoado, sentou-se diante de uma árvore frondosa. Sem querer cochilou, tirou uma soneca, e só acordou com o chamado de alguém:
- Oi, Tocador de Sanfona, acorda! Aonde você vai tocar hoje?!
- Moço, eu to sem rumo, não tem um lugar certo, não! A coisa ta feia, faz tempo que não toco em lugar nenhum.
- Então achei o homem certo! Monta no meu cavalo branco e vamos que, estamos precisando de um tocador de sanfona lá no meu terreiro.
Juvêncio ao subir, o cavalo branco partiu em disparada, e, como uma bola de fogo desapareceu naquela imensidão.
Meio zonzo, o Tocador de Sanfona, num piscar de olhos, apareceu no palco daquele imenso salão de festa e viu muita gente conhecida ali... Ficou confuso pois todos já haviam falecidos. Observou também gente esquisita, estranha e de todas as idades.
Seu Chico, um velho amigo, aproximou-se dele, e lhe perguntou:
- Até você, Tocador de Sanfona!... Bateu as botas do quê?
O Tocador de Sanfona ficou meio sem graça, porque se lembrou que havia ido ao velório do seu Chico e disse-lhe:
- Seu Chico, o senhor não tinha morrido?!
- Morri sim! Mas essa história é longa... Toca logo esse baile antes que o povo faça uma revolução aqui dentro.
O seu Juvêncio, simples que era, pegou sua sanfona e tocou aquele baile à noite todinha.
Ao terminar o baile, um homem vestido completamente de roupa vermelha, apareceu-lhe, deu-lhe um envelope fechado e disse-lhe:
- Tocador igual a você, aqui no inferno nunca tinha aparecido ainda. Tomara que morra logo para vir pra cá nos alegrar com sua sanfona.
O Tocador respondeu na bucha:
- Ta louco homem! Sou do bem, sou filho de Deus!
O homem de vermelho, enfurecido, respondeu-lhe:
- Pode ser, mas eu estou de olho na sua alma!
Seu Juvêncio lhe disse:
- Que brincadeira macabra é essa?! Sai de mim espírito de belzebu!
O capeta lhe respondeu:
- Eu sou o próprio... Pega seu dinheiro e vá logo, antes que eu me arrependa e lhe segure aqui antes do seu tempo.
O enviado do Diabo colocou o Tocador na garupa do cavalo e lhe disse:
- Tocador, aqui é o inferno! Aquele que você conversou ainda a pouco é o Satanás, o dono do mal. Não brinca com ele não, cara, você é doido!
- E, você quem é?
- Eu sou um desgraçado que em vida só fiz maldade e vim parar nesse fim do mundo, no inferno... Só teve essa festa aqui, hoje, porque o Capeta está de olho em toda sua família. Ele lhe trouxe aqui para lhe enganar, para você pensar que aqui é bom... Mas aqui é só dor e sofrimento. Toda vez que alguém lembra seu nome, lá na terra, Ele nos faz reverenciá-lo... Ele quer ser deus também... Ele é o deus do mal. Cuide-se antes que venha parar aqui também! Quando você falou que tocaria, nem que fosse no inferno, o Diabo estremeceu de alegria e loucura, por isso, lhe apareceu.
Seu Juvêncio, quando foi lhe indagar, percebeu que estava sozinho debaixo daquela árvore frondosa e balançou a cabeça, pensado ter tido um pesadelo... Mas, ao se levantar, percebeu um envelope perto de sua sanfona e o pegou e partiu para sua casa.
Ao chegar à sua casa, chamou a mulher e lhe disse:
- Aí está o dinheiro que você queria. Pegue-o. Este foi ganho lá no inferno!
Dona Joaquina respondeu-lhe:
- Deixa de besteira homem! Dinheiro é dinheiro. Sem grana não se paga à água, a luz, a compra, etc. O importante é tê-lo, não me importa de onde vem. Esses locais de bailes virou um inferninho mesmo...
Ele contou toda a história para mulher e lhe disse que havia conversado com o próprio Capeta e que viu seu Chico lá também... Que o Chifrudo estava de olho em sua família.
Ela lhe respondeu que dinheiro é tudo igual e que iria gastá-lo da melhor forma possível. Ela disse que agora estava se sentindo gente de novo, etc.
Seu Juvêncio lhe disse nervoso: “Vamos queimar esse dinheiro sujo, mulher!”.
- Ta louco Juvêncio! Imagina que vou fazer uma bobagem dessas.
- Olha mulher, antes de vir com esse dinheiro pra cá, eu me pus de joelhos e pedi perdão para Deus, nunca mais vou falar o que falei ontem: “Que tocaria nem que fosse no inferno.” Deus vai me ajudar para que isso nunca mais me aconteça.
- Ta besta, homem! Ta vendo que eu não vou queimar esse dinheiro. Você tocou no inferno e foi pago pelos seus serviços. Agora vou pagar as contas e fazer compras, antes que nossa vida vire o inferno.
Dona Joaquina se produziu toda e foi para a rua com a grana fazer o que tinha que ser feito.
Seu Juvêncio pegou no sono e teve um sonho: “No sonho um anjo lhe tirava de dentro de um caixão preto e no seu lugar colocava sua mulher.”.
Ao chegar à sua casa, a mulher feliz da vida, disse ao marido:
- Agora somos gente de novo, temos crédito em todo lugar.
Seu Juvêncio meio sem graça lhe contou o sonho que tivera há pouco...
Ela lhe respondeu enfurecidamente:
- Você está muito medroso Juvêncio, ta um verdadeiro CAGÃO, ta morrendo de medo à-toa... Larga de ser besta homem, pelo amor de Deus!
Ao cair à madrugada, Dona Joaquina sofreu um enfarte fulminante e teve morte súbita.
O bicho-homem do cavalo branco apareceu, pegou o corpo, colocou-o em sua garupa e desapareceu.