O cachorro que adora petisco
Por Rodrigo Capella*
Uísque seria um cãozinho normal, se não fosse o seu incrível desejo de experimentar novos petiscos. Queijo, presunto, salame, mortadela. Não importa o sabor. Uísque é tarado por salgados e fica bravo quando Juliana, sua dona, passa muitos dias sem oferecer esses alimentos deliciosos.
O vício é tanto que o cãozinho não economiza seus truques a la Harry Potter para chamar a atenção de Juliana e ganhar o grande prêmio, um petisco. Ele faz de tudo. Destrói as meias, lambe o sofá e, de quebra, morde a bunda do carteiro, deixando marcas. Juliana fica envergonhada, pede desculpas, mas o carteiro não responde; sabe que isso ainda vai acontecer muitas vezes.
No fim do dia, um pouco antes do jantar, a pequena menina sempre acaba perdoando o cachorro e leva o pulguento para passear numa praça bem arborizada. Lá, observa um rapaz, atlético e sem camisa, que acena com uma das mãos. É Marcelo, um antigo namorado de Juliana. Terminaram há dois meses e a atração entre eles é muito grande.
O motivo da separação é, aparentemente, banal, mas pode ser facilmente compreendido.
Após ir ao cinema e assistir o Código Da Vinci, a pequena menina convidou o namoradinho para entrar em casa e, quando abriu a porta, encontrou tudo destruído. Uma onda gigante parecia ter entrado na casa. Juliana olhou para Uísque, que estava escondido atrás da porta, louco por um petisco. Marcelo, que não arruma nem o quarto dele, saiu correndo, sem rumo, sem direção. Depois desse episódio, eles nunca mais se viram.
Juliana e Uísque continuaram a andar pela praça. Mendigos pediam dinheiro, pessoas andavam de bicicleta e um rapaz vendia bolinho de queijo. O cheiro rapidamente entrou nas narinas de Uísque. O cãozinho soltou-se da coleira e correu em direção ao carrinho, como se estivesse no cio atrás de uma cadelinha. O que se viu a partir daí foi um verdadeiro show de horror. Uísque lambeu o vendedor, derrubou o carrinho e comeu quase toda mercadoria. Juliana não tinha dinheiro para pagar o prejuizo e teve que chamar os país. A pequena menina e o cãozinho acabaram trancados num canil e, se não fosse a mãe dela ter remorso, dormiriam a noite lá, ao relento, passando frio e fome.
Mas, essa não foi a situação mais absurda que Juliana viveu. Ela se lembra de outras. Uísque, num belo dia, decretou greve de fome. O motivo dessa travessura: ele não recebeu petiscos durante quase uma semana. Juliana indignou-se e não teve dúvida: ignorou o cãozinho, que acabou triste e doente. A menininha mostrou-se arrependida e abraçou Uísque, como se ele fosse um ursinho de pelúcia bem peludo. No dia seguinte, o cachorrinho ganhou uma grande caixa de petiscos e abanou o rabo durante três horas.
Juliana lembra-se de muitas histórias protagonizadas por Uísques, algumas até estão anotadas no diário da menininha, que dá muitas risadas quando se lembra dos fatos. No último Carnaval, a dupla dinâmica viajou para Florianópolis, onde a tia de Juliana tem uma casa enorme, com piscina, piano e bananeira.
Quando chegou ao jardim, Uísque, não titubeou, e rapidamente comeu as rosas vermelhas, que estavam lindas e cheirosas. A tia de Juliana berrou longamente e Uísque correu para se esconder debaixo da mesa. O motivo dessa travessura: ele não recebeu petiscos durante quase uma semana.
Depois de todas essas esquisitices, Juliana aprendeu a lição: o Uísque deve comer petisco todos os dias, senão ele fica louco e comete maluquices, inexplicáveis até mesmo para a ciência canina. A pequena menina sabe também que todos os cães, assim como os homens, têm defeitos e que esses devem ser respeitados para que a convivência fique cada vez mais harmoniosas e saborosas, assim como os petiscos. Hum...
(*) Rodrigo Capella é escrito, poeta e jornalista, autor de vários livros, entre eles “Como mimar seu cão” e “Transroca, o navio proibido”, que vai ser adaptado para o cinemas. E-mail: contato@rodrigocapella.com.br