A TARDE IA ALTA.


     Aquela tarde começara cinzenta, o sol há muito havia partido, deixando o vento frio a deslizar sobre  minhas costas. Caminhava a passos curtos e direção firme, não me importando com a rotina costumeira a minha volta, onde vozes ao léu ecoavam em meio ao barulho dos carros, que na rodovia enfrentavam aquele clima impróprio. Naquela caminhada solitária, a mente solta, vagava por entre as lembranças que trazia comigo, pensava em minha família, meus amigos e meu cotidiano, deixados para trás há muito. Tentava irrelevantemente ordenar as necessidades para a nova realidade que se contrapunham à saudade e a nova vida, e que me aturdiam constantemente naquele mundo novo.

     Muitas vezes a dura realidade era adormecida pelo uísque, comprado a revelia da vontade, e bebido no gargalo, entre um cigarro e outro, para depois ser despejado em canto qualquer, num vômito incontido. A vida se esvaia imensurávelmente, pondo às claras a situação sórdida. Aquela tarde cinzenta, ia alta a minha volta, começava imperceptivelmente a se misturar ao cinza sombrio da noite, que começava a cair. Meu cerne vazio, não permitia ver a dança das folhas, que eram arremessadas inconscientemente por minhas passadas, interrompendo a calmaria naqueles jardins vazios. Nada me importava... Não havia nada a ser dito, pois, ninguém me esperava. O medo tomava forma, logo, novamente uma tarde, que se mostrava cinzenta em meio à solidão, estava a se renovar, para me assombrar, em mais uma noite fria, cinzenta e solitária.

     Mas aquela tarde transformara-se voluntariosamente, mostrando-se única. Ao dirigir meus olhos para o cinzento céu, procurando confirmar sua existência para o confronto, senti em meu rosto um toque. Aquele toque frio me fez sentir a quietude que predominava naquele instante, ao levar a mão ao rosto, a luva dissipou o que houvera de ser, mas outro toque, seguido de outro, mais um outro, e outros tantos mais, se precipitaram. Ao me livrar das luvas e levar as mãos ao rosto, percebi pela primeira vez, os pequenos flocos de neve, que me lavaram as amarguras...

 
JLeal
Enviado por JLeal em 24/10/2009
Reeditado em 24/12/2011
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