Reminiscências 03
Vara de Marmelo
Você ainda não apanhou de vara de marmelo?!! Não? Então não sabe o que é “bom”!!!. Ouvi esta frase quando tinha apenas 6 anos de idade e jamais a esqueci.
Marmelo, para quem não conhece, é uma fruta que dava em abundância em nossa região, no sul de Minas Gerais. Este produto, do qual se fabrica ainda hoje a famosa marmelada, foi por muito tempo a principal fonte de sustento e até de sobrevivência de muitos agricultores, inclusive de meu pai.
Existe uma cidade próxima a Delfim Moreira que teve seu nome em função desta fruta por ser campeã em seu cultivo. Herdou o nome de Marmelópolis.
Os Marmeleiros (pés de marmelo) são de pequeno porte, porém muito resistentes. Suas copas podem ser alcançadas com as mãos ou com uma pequena vara de bambu. Seus galhos são compridos e flexíveis e em suas extremidades é que aparecem os frutos de cor amarelada. Uma delícia quando “cozido” pelo sol.
Existia um ditado em nossa terra que dizia assim: “O marmelo é boa fruta que dá na ponta da vara, mulher que chora por homem não tem vergonha na cara”.
Pois bem, mas não é o fruto o tema desta narrativa. Este deverá ter destaque em outro texto.
Era comum em minha casa, e acredito que também em muitas casas daquela região, ter sempre uma boa vara de marmelo ou de marmeleiro em cima do forno do fogão a lenha.
O objetivo de mantê-las neste local é que a temperatura as tornavam muito mais resistentes e flexíveis que já era e tinha uma finalidade única.
Toda vez que aprontávamos alguma “arte”, a vara de marmelo “chorava solta”.
Era muito difícil escapar... Tenho certeza de que, dentre os 9 irmãos que éramos, todos experimentaram da famosa vara.
Mesmo quando fomos morar na cidade, minha mãe fazia questão de manter uma boa vara de marmelo em cima do fogão para ocasiões, digamos “especiais”. E, diga-se de passagem, estas ocasiões não faltavam.
Inclusive, éramos incumbidos de trazê-las da roça para ela o nosso próprio instrumento de “tortura”.
Recordo-me hoje, agradecido, pelas varadas de marmelo que recebi da severa Dona Fia. De certa forma estávamos cientes de que cada travessura que praticávamos, tínhamos “direito” a uma bela surra, no entanto nunca as deixamos de praticá-las.
As regras e os métodos de ensinamentos de meus pais não eram modernos, evidentemente, porém eram eficazes.
Orgulho-me em dizer que, de uma família considerada grande, todos “se salvaram” e criam seus filhos com base em alguns ensinamentos e castigos recebidos quando crianças.
Mas porque se preocupar com tais regras nos dias de hoje, não é mesmo? Afinal temos a disposição recursos tão “eficazes” de se educar e proteger um filho, como por exemplo: Empregadas, Babás, Televisão, Computadores, Internet, isso sem esquecer o tão “eficiente” Estatuto da Criança e do Adolescente.
Uma certeza trago comigo: A dor daquelas varadas é ínfima, comparada com a dor de muitos pais nos dias de hoje, em função dos descaminhos percorridos por seus filhos, por nunca terem levado uma boa “coça” (não sei se assim que se escreve, pois esta palavra não tem no dicionário) ou “sova” de vara de marmelo.