O homem que aprendeu a voar

Atravessando o caminho encontrou um barranco, maior que barranco, um precipício. Não tinha notado aquele obstáculo naquele lugar. Tanto que há muito entrara caminho a dentro e a pé, sozinho, se soubesse não teria andado por ali e tanto. Pelo jeito teria que dormir naquele lugar, sem nenhum apetrecho, o perigo estava ficando iminente. Faltava pouco para o destino, no entanto voltar nem pensar, além de muito longe, os perigos seriam maiores. Como pode estar em situação tão difícil assim. Acostumado que era, como não soube daquele tremendo buraco no seu caminho. Sentou-se aos pés de uma árvore com razoável copa. Queria respirar, deixar o oxigênio alimentar mais o cérebro e assim pensar e decidir melhor. Num primeiro momento observou os vaga-lumes com suas luzes intermitentes, os olhos de corujas esbugalhados, um ou outro coaxar dos sapos atrás de suas fêmeas, mas passado um tempo a escuridão e a quietude tomaram conta, e com elas veio o medo. Tanta coisa poderia acontecer. E quando se está sozinho, inseguro, tudo parece monstruoso e desesperador, bem mais do que é na realidade. Como em transe viu sua vida aparecendo em uma tela imaginária. Viu-se fazendo as mesmas coisas, repetindo-se. Engraçado que olhando assim conseguiu perceber que lhe faltava um objetivo. Fazia por fazer. E era assim. Acordar, levantar, tomar banho, o café, ir para o trabalho, dizer bom dia, trabalhar, horário do almoço, levantar da cadeira, ir para casa, sentar em frente a televisão, almoçar, sentar em frente à televisão novamente, olhar o relógio, voltar para o trabalho, dizer boa tarde, trabalhar, olhar no relógio várias vezes, sair do trabalho, voltar para casa, dúvida entre tomar banho ou não, assistir televisão sim, jantar, talvez, dormir, às vezes se estivesse descansado conversar com a esposa, mas quando não era um, era o outro cansado, então dormir era o mais certo, rolar na cama também, acordar no outro dia. Para sair da rotina tinha as contas para pagar, sempre maior do que o dinheiro que recebia mensalmente. Isso apesar de ser rotina, colocava um pouco de “pimenta” no relacionamento conjugal, bem ao estilo: “acabado o dinheiro e o amor sai pela janela”. Só agora sentado e angustiado embaixo daquela árvore é que estava percebendo o quanto era acomodado, pacato e responsável pelo que sua vida se tornara. A esperança já não os visitava fazia tempo, da mesma forma a alegria. Ele, a árvore, o chão onde sentara, o buraco a sua frente, a noite por cenário e a escuridão por testemunha. Conseguiu fazer um paralelo onde a árvore seria sua casa, o chão sua esposa, o buraco o futuro e a escuridão seria a falta de objetivo em sua vida. Entendeu, naquela noite de aflição e medo, o que não aprendera e nem percebera durante toda sua jornada aqui na terra. Falou com Deus e prometeu a si mesmo que mudaria, agora o desespero não era mais pelo desamparo na mata sem segurança, o que queria de verdade era ver o dia clarear, sair dali correndo e ir mudar o rumo de sua vida tediosa e por isso mesmo, muito perigosa, ser outra pessoa, aquele buraco era fichinha para tamanha determinação, para aquele homem, que em tempo, aprendera a voar.