Amor à primeira vista
Wanda Wenceslau
Foi assim, um amor à primeira vista! Há quem não acredite nisso, mas existe ou existiu, pelo menos na minha história!
Ela era Helena, uma bela moça que nasceu e sempre morou na cidade de São Paulo,dona de um corpo muito bem feito, parecia que havia sido esculpido, era a perfeição! Estatura média, cabelos castanhos claro, quase loiros, longos e lisos, os olhos num tom verde escuro ,tal qual duas esmeraldas, boca bem definida com lábios carnudos e provocadores que se abriam num sorriso enigmático mostrando os dentes brancos e perfeitos.
Ele, Paulo, um rapaz simples que havia acabado de chegar do interior do Paraná. Logo despertou o interesse das garotas com o seu corpo musculoso, que fora moldado no trabalho árduo no campo!Ele tinha os cabelos pretos e encaracolados, pele morena curtida de sol, lábios bem definidos e um sorriso amável e cheio de ternura que combinava com olhos escuros e misteriosos.
Depois do primeiro momento que se conheceram não havia como separá-los. Estavam sempre de mãos dadas e olhos nos olhos. Afastaram-se dos amigos e tudo que interferisse naquele romance e começaram a viver um para o outro. Parece que tinham um único pensamento na cabeça, ela pensando nele, ele pensando nela. Era tão visível a necessidade de um estar com o outro, tanto, que os pais trataram de apressar o casamento antes que colocassem a carroça na frente dos burros, como dizia mãe de Helena.
Era inicio dos anos 40 do século XX, o mundo estava no começo da segunda grande guerra, no Brasil já se vivia intensamente esse clima após o bombardeio sobre as embarcações brasileiras no Oceano Atlântico.
Para o casal nada importava desde que um estivesse nos braços do outro. Helena era modista e costurava para as senhoras que viviam no bairro, Paulo só conhecia o serviço de agricultor e como não tinha profissão, começou a prestar pequenos serviços nas serralherias e marcenarias que existiam nas redondezas , talvez à procura de firmar-se na profissão
Logo no primeiro ano de casamento já tiveram um filho, mas o namoro do casal não foi abalado pela presença de outra pessoa, ao contrário , parecia que estavam tão enamorados quanto a primeira vez que se viram.
Os anos foram passando e a cada ano um novo filho. Já estavam no sexto ano de casamento e no quinto filho, quando numa noite fria de julho, uma garoa incessante que caia sobre a cidade, Paulo saiu de casa para comprar cigarros e fósforos.
Passou uma hora, passaram-se duas, três e nada dele voltar. Helena já apavorada e pensando no pior, avisou a família e começaram as buscas.
No bar onde ele havia ido, disseram que ele estivera lá, mas que após comprar os cigarros e os fósforos saiu normalmente, não o tinham mais visto por lá naquela noite. As buscas se estenderam a outros bares e localidades, casas de amigos, hospitais, delegacias, necrotério e nada!
As famílias do casal ajudavam no que podiam, tanto nas buscas, como no amparo a Helena e aos filhos.Passaram-se dias que formaram meses e meses que formaram anos.
Helena criava os filhos com o dinheiro que recebia das suas confecções e das aulas noturnas de corte e costura.Aos sábados à tarde também ministrava aulas de catecismo para as crianças que iriam fazer a primeira comunhão na comunidade onde morava.Os filhos foram crescendo e ela sempre fiel a espera do marido ou de uma noticia deste.Não se vestia de luto, mas andava sobriamente vestida e tinha um comportamento exemplar como mulher casada.Já não gostava mais que se tocasse no assunto do desaparecimento do marido , pois com o passar dos anos , muitos pensamentos devem ter-lhe passado pela cabeça e o que se podia ver agora era uma mulher triste e magoada.
As pessoas comentavam que ele poderia ter sido preso como espião de guerra, outros diziam que o tinham encontrado na rua na companhia de outra mulher, alguns levantavam a hipótese dele ter sido morto e enterrado por um inimigo, mas quem?Aí , inventavam histórias do envolvimento dele com alguma mulher casada e que o marido os havia surpreendido e os matado .Lendas foram criadas em volta do desaparecimento do marido de Helena, mas a verdade é que ninguém sabia de fato o que lhe acontecera.
Passaram-se vinte e oito anos ,o Brasil vivia agora no regime de ditadura militar, era o ano de 1975 , os filhos de Helena haviam se casado e ela vivia sozinha na casa que fora morar com marido antes do desaparecimento dele.
Naquele mês de abril, os dias amanheciam frios e depois iam esquentando, uma típica manhã de outono.Helena tinha um vestido para entregar, e preparava-se para sair , quando ouviu baterem à porta.Abriu e deparou-se com um senhor meio calvo e de bigode que lhe sorriu sem dizer nada.Ela deu um passo para trás e depois de estudar a fisionomia da pessoa , pos a mão no peito e falou pausadamente:
_Paulo!
Sim, era seu marido, em carne e osso que voltava saindo de dentro dos seus mais lindos sonhos e terríveis pesadelos. Quanto ela havia esperado e sonhado com aquele momento!
Ele ficou parado do lado de fora , perto da porta, esperando uma reação dela que após recompor-se do susto mandou que ele entrasse.Não o abraçou e nem tocou nele, pois agora ele era um perfeito estranho, uma pessoa que ela nunca tinha visto, tanto na aparência como no comportamento.
Já dentro de casa ele olhou em volta como querendo reconhecer móveis e objetos , sentou-se e começou a chorar.
Neste momento Helena também deixou cair as lágrimas que estavam contidas desde que abrira a porta ,lágrimas de susto e emoção.Ele tentou abraçá-la ,perguntou dos filhos, mas ela permaneceu impassível,recuou e escondeu o rosto com as mãos.Passaram-se minutos e tudo o que faziam era chorar.Helena pegou um copo de água para si e outro para Paulo, beberam e olharam-se fixamente.Ela perguntou:
_O que aconteceu?
Pergunta que ficara martelando em seu cérebro durante vinte e oito anos !
Ele levou um tempo para responder , parecia que estava buscando uma maneira de começar o assunto.Baixou a cabeça e sem olhar para Helena foi falando:
_Naquela noite quando sai de casa pensei dar uma volta e fumar um cigarro e fui andando. Andei, andei, andei quase a noite inteira, queria distanciar-me daqui, desta vida, destes problemas, da responsabilidade de criar todos os nossos filhos, da falta de emprego, falta de alimentos em época de guerra, de ter que vê-la trabalhando , é só trabalhando e eu não podendo fazer nada para modificar a situação.Quando estava muito longe daqui, peguei uma carona com um caminhoneiro e fui para outra cidade, esperava arrumar melhor emprego e começar uma vida nova e voltar para buscá-los, mas tudo o que eu arrumava era mais miséria e abandono, fui vivendo pelas ruas como mendigo até que um senhor, dono de uma marcenaria, me empregou e me deixou morar num quartinho nos fundos da oficina.O que ganhava mal dava para minha sobrevivência, mas assim fui levando a vida e quando vi que haviam se passado alguns anos, não tive coragem de voltar.
Helena ouvia com olhos espantados e o coração aos pulos , foi sentindo um misto de raiva e pena que a prostrava e deixava sem ação.Todo seu ser sofria, e sofria mais do que no dia em que o marido sumira inesperadamente.Paulo continuou falando sobre tudo o que passara e como vivera nessas anos todo de ausência.
Depois de uma pausa, ele levantou-se e continuou:
Dizendo que sem coragem para voltar, ele começou a buscar a felicidade, aquela felicidade que ambos tinham quando se conheceram, que ele buscava as emoções de um novo amor , de uma nova paixão e que alucinadamente pensava achar em cada relacionamento seu com outras mulheres, porém, envelhecera sem nunca mais sentir por ninguém o que sentira por ela e nunca mais viveu dias tão bonitos e de delicada magia como no tempo em que se apaixonaram e foram namorados.Que por isso ele agora estava lá só para pedir perdão pelo sofrimento que causou a ela e aos filhos e também para dizer que ela era o que de melhor havia acontecido na vida dele, e que ele não soube valorizá-la, que se ela mandasse, ele iria embora agora mesmo, sem nem sequer ver os filhos e netos, sumiria para sempre.
Helena pensou, e sua criação cristã falou mais alto, pediu a ele que voltasse no próximo domingo, pois ela iria conversar com os filhos.
Domingo todos foram almoçar em casa da mãe e preparados para conhecer o pai e ouvir suas explicações. Paulo chegou e abraçou a todos, não com saudades, mas como um estranho que acaba de conhecer novas pessoas. Antes que começassem a conversa Helena pediu para falar e disse:
_Todos aqui sentiram a falta de um pai, o pai de vocês estava ausente, eu fui pai e mãe, me digam agora se reconhecem neste homem o pai de vocês.
_Não
Foram unânimes!
Ela virou-se para o marido e disse:
_Veja que família linda você perdeu, a oportunidade de criar e ver crescer, estar presente no dia a dia deles, amá-los e protegê-los.Não guardo rancor porque quem mais perdeu nesta história foi você.Se teus filhos quiserem continuar a vê-lo, eles que o recebam em suas casas, porque aqui não te quero mais, volte para seus sonhos, corra atrás de momentos de paixão , eu já tenho a quem amar, minha família.
Terminou pedindo a todos que se servissem do almoço, pois aquela seria a primeira e última refeição em que todos estariam juntos.
OBS.Esta é uma história verídica, só troquei o nome dos personagens!