ODISSÉIA DE UM SERTANEJO

ODISSÉIA DE UM SERTANEJO

Lá pela década de trinta do século passado, meu avô era um dos poucos sertanejos que se aventurava a uma viajem a capital mineira. O trajeto que atualmente se faz em menos duas horas, segundo narrava ele, era uma verdadeira maratona. Sete dias de viagem, para ida e volta, por apenas um dia de permanência. A programação teria que ser minuciosamente periciada. No caso da perda da Maria fumaça, para o retorno a viagem passaria para dez dias, aumentada cinqüenta por cento. Talvez seja de situações como esta que surgiu o dito popular que diz “mineiro não perde o trem”!

Ao retornar o velho, que na época nem era velho, trazia sempre um novo aprendizado. De certa viagem trouxera de Lá duas memoráveis lembranças, uma bastante proveitosa com a qual se inspirou para o traçado das ruas e praças do povoado do Engenho, o que, aliás, foi a mais importante por que está eternizada em nossa história. A segunda de certa forma decepcionante ao conhecer a sétima arte, participou de uma sessão de cinema. Sendo ela a primeira e última de sua vida. Um filme de bang-bang, projetado sobre uma montanha onde um dos mocinhos acuado pelos bandidos projetou-se do ponto mais alto, rolando sobre um precipício por entre pedras, ensangüentado e desfigurado acabou tragicamente morto.

Transtornado com a crueldade da cena vovô não perdia a oportunidade em narrá-la aos amigos. Até o dia em que hospedado em sua fazenda um caxeiro viajante, ouviu atentamente a narrativa daquele episodio, que chocou tanto meu avô, como seus demais colegas de hospedagem que lhe fizeram companhia por ocasião de sua experiência. É lamentável que tamanha crueldade seja praticada! Assim exclamou o velho! Muito educado o caixeiro percebendo sua ingenuidade perguntou-lhe:- e você sabe como aquela cena é filmada? – Não tenho a mínima idéia! – Ai veio à explicação - Aquilo é apenas uma montagem, o homem que você viu rolar pelo precipício, é um boneco, o sangue é tinta é tudo fantasia! – Ara, mas eu vi o homem subindo a montanha!--É verdade ele sobe a montanha, na hora da queda o boneco é projetado em seu lugar!- Quer dizer então que perdi todo o meu trabalho preocupado com uma mentira? Pois saiba, jamais vou perder meu tempo com o tal do cinema! Basta-me as preocupações com tantos problemas da vida pra perder tempo com bobagens!

Vovô faleceu com noventa e dois anos, em 1980 sem nunca ter voltado a uma sessão de cinema.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 11/10/2009
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