O ORADOR

Brejo Seco, um vilarejo encravado nos sertões do norte de Minas, lá pras bandas de Januária, era terra de macho, gente disposta e capaz de enfrentar o demo se preciso fôsse!...

No meio dessa macheza toda, Romualdo de Souza era o notável do lugar. Falava nos casamentos, nas festas de aniversário, nos batizados e nos enterros dos seus conterrâneos. Por direito adquirido, era o porta-voz dos acontecimentos marcantes em Brejo Seco.

Sujeitinho miúdo, olhos vivos, esperto, barbicha e nariz arrebitado, o rosto pintado de sardas, ele assomava ao palanque no corêto, aos bancos da praça, aos tamboretes nos botecos, onde fôsse, e lascava a sua verve para cima do pessoal disposto a ouví-lo.

Cultura respeitável ele não possuia, mas, pelo menos, era o homem mais lido de Brejo Seco. Gabava-se de ser um dos pouquíssimos cidadãos do pitoresco lugarejo que tinha livros em sua casa, chegando a formar uma pequena biblioteca onde figuravam obras de Monteiro Lobato, Machado de Assis, José de Alencar, Eça de Queiroz e outros grandes nomes das literaturas brasileira e portuguesa.

Quando mais moço, servira de mestre no Grupo Escolar de Brejo Seco, até que professoras diplomadas fossem oficialmente nomeadas para aquele estabelecimento de ensino primário.

Romualdo de Souza era, portanto, o cidadão bem falante do lugar, o seu arauto. E ele fazia questão de que todos o vissem como tal. Até nas broncas e pitos na mulher e nos filhos, em casa, choviam discursos!...

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A cidade era festeira e o povo alegre, hospitaleiro, gostava de comemorar. No mês de junho as quadrilhas fervilhavam, as fogueiras clareavam os terreiros das fazendas, espalhando o calor e animação ao som da sanfona, do triângulo e do zabumba. O quentão era sorvido por todos e até as crianças mais abusadas costumavam dar uma bicada na beberagem, ficando mais doidas do que já eram!

No carnaval, o Bloco dos Sujos fazia o maior escarceu, invadindo até as casas dos não brincantes, arrastando os mais sizudos para a rua e fazendo-os cair totalmente na gandaia. Alegria geral, era a palavra de ordem!

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Certa feita, Brejo Seco se engalanou pois receberia visitas. E que visitas! Um dos mais importantes times de futebol da capital, com delegação e tudo o mais, viria para a festança do padroeiro, São Geraldo. Nunca se viu tanto alvoroço por ali.

As donzelas passavam horas diante do espêlho, ajeitando os cabelos, aparando as unhas, lixando a sola dos pés, botando carmim nas faces queimadas de sol. Engomavam anáguas, passavam a ferro suas roupas domingueiras, preparando-se enfim com o maior esmero para a grande festança popular.

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Às seis horas da manhã do domingo seria dado o toque de alvorada e, a seguir, uma corrida de jovens, os quais contornariam o cemitério e desceriam até as margens do Rio São Francisco, onde pulariam n’agua e o atravessariam até o ninhal das aves, existente na outra margem do rio. Ao campeão, seria ofertado um potro de três anos, como prêmio.

Ao meio dia um baita churrasco seria oferecido aos visitantes e ao povo, em geral, por obra e graça de Nhô Tinoco, o maior fazendeiro da região e presidente do clube. Mais tarde, o jogo de futebol e à noite o baile na sede social do Brejo Seco Futebol Clube, que seria abrilhantado pelo conjunto do Otávio Tampinha, antigo músico da euterpe local.

Romualdo de Souza, como de praxe, foi encarregado de fazer um discurso antes do baile, quando seria entregue uma taça ao vencedor da peleja.

Partiu pra casa matutando e preparou dois trabalhos. Um discurso, no caso de ser vencedor o time da rapaziada brejo-sequense. E outro, na hipótese de ser ganhador o quadro visitante.

No primeiro, Romualdo ressaltava o “feito heróico” dos seus conterrâneos, ao bater o “famoso esquadrão antagonista, uma das forças do futebol nacional”. No segundo, encarava a derrota do Brejo Seco Futebol Clube com naturalidade, pois afinal de contas havia perdido para “um grande adversário, experiente, de renome”.

E assim, Romualdo foi ao campo, sentindo-se de antemão feliz e tranquilo. Seus discursos já estavam prontos e ele antegozava o sucesso. Qualquer dos dois abafaria, ele tinha absoluta certeza. Ambos uma joia de peça literária, dizia aos seus botões o vaidoso homenzinho.

Foi quando o jogaço de futebol terminou empatado: 0 x 0 ! Um resultado imprevisível, pelo menos para o nosso personagem. Houve o baile, mas não teve taça e nem discurso. Romualdo de Souza, ilustre cidadão de Brejo Seco, abdicou para sempre da coroa de seu orador oficial e jamais falou naquele lugar. E também nunca mais foi visto por aquelas bandas!...

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RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 06/10/2009
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