ALEGRIA E TRISTEZA NO CARNAVAL
Era véspera do grande dia. Amanhã a escola-de-samba “Estação Primeira de Mangueira” irá mostrar toda a sua beleza na avenida Marquês de Sapucaí, na cidade do Rio de Janeiro. Os ensaios estavam se intensificando e a Porta-Bandeira Ritinha, dava tudo de si. Era a sua maior noite.Seria a figura mais importante da Escola. A honra e a responsabilidade que lhe deram, deverá ser agora, respeitada.
O nervosismo, a euforia, a correria e a batucada misturavam-se naquele ambiente: era uma quadra de basquete alugada do clube Botafogo. O ensaio já estava sendo feito com as fantasias do dia do desfile. Era o retoque, mas nunca é como a apresentação na avenida.
Ritinha, uma belíssima mulata de vinte anos, parecia uma rainha com seu porte elegante, o ritmo nos pés e um sorriso nos lábios. Todos a admiravam, menos alguém, que a espreitava de um canto do clube, meio escondido. Era o negro Joaquim, namorado de Ritinha. O seu olhar era um misto de admiração, ciúmes e ódio.
Joaquim e Ritinha estavam já de namoro há alguns meses e pensavam viver juntos num barraco no Morro da Mangueira, e para isso estavam comprando alguns móveis usados. No entanto, o carnaval estava chegando e Ritinha sempre amou a escola-de-samba da Mangueira. Joaquim tentou persuadir, argumentar, pedir e exigir que não participasse tanto dos ensaios. Tudo em vão: Ritinha cada vez destacava-se mais entre as sambistas. Já era tradição da família, pois sua mãe quando moça foi a porta-bandeira da Mangueira e a filha tentava igualar-se à mãe.
Nada adiantou Joaquim impedir que Ritinha fosse ensaiar e acabou sendo escolhida a Porta-Estandarte da Escola, pois na última semana, Selma,a primeira dama, torceu o pé. Foi um pânico geral. Como a Mangueira iria se apresentar? Fizeram então uma seleção e a Ritinha ganhou a honra de ser a Porta –Estandarte substituta.
A euforia foi tanta, que nem percebeu um lampejo estranho nos olhos de Joaquim, quando lhe contou a novidade. A febre do carnaval a havia dominado. Nada mais importava. Era tudo ou nada!
Assim, Ritinha mostrava o seu samba no último dia do ensaio-geral e o ciúmes do Joaquim começava a penetrar fundo enquanto os outros homens a cobiçavam com os olhos. Mordia os lábios até amortecê-los e o olhar ficava cada vez mais sombrio.
Chegou o domingo de Carnaval. A Mangueira penetrou na Avenida Sapucaí, radiante! O povo cantava junto o samba-enredo, era como se fosse uma alma apenas. A música empolgante, a vibração dos sambistas e da platéia confundia-se numa massa apenas.
A Porta-Bandeira Ritinha parecia uma Rainha, que naqueles momentos era a figura mais importante na Avenida, junto com o Mestre-sala Benedito. Seu belo porte, samba nos pés, sorriso de Vênus, reinava como nenhuma outra naquele Carnaval.Era a glória!
As emoções aflariam num ruído de palmas, gritos: “Mangueira já ganhou”, “ Viva a Ritinha, a mais linda Porte-Estandarte” e o samba avivado pela platéia, crescia e tomava vida nova.
Ritinha, a rainha da Avenida, despertava emoções. Nunca na sua vida sentiu-se tão amada, tão vibrante. Poderia acabar o mundo naquele instante. Havia chegado ao auge, ao êxtase! Nada mais importava!
A Mangueira foi ovacionada como nunca e Ritinha era parte deste sucesso.
Estavam todos ainda hipnotizados com a passagem da Escola, quando começou um tumulto: “Mataram uma sambista!” “ Quem morreu?”
Virou um pânico geral...
Os gritos antes de alegria, tornaram-se de desespero: “ Quero minha filha”, gritavam as senhoras que tinham filhas na Escola. Foi um corre, corre... Ninguém podia controlar o povo. Virou um tumulto e pânico tão grande , que não s e sabia mais o que ocorria.
Então, uma voz chorosa e lamentosa falou no microfone:
_ “ A Ritinha, nossa mui’amada Porta-Estandarte foi assassina da cruelmente com quatro golpes de faca.
A Mangueira chora a sua Ritinha, a mais jovem, a mais linda, a mais empolgada porta-estandarte acaba de nos deixar. O último presente foi o seu samba que não será esquecido.”
Um silêncio acompanhou essas palavras. Só soluços e rostos retorcidos de dor na Avenida, um pouco antes, tão radiosa. Ninguém se conformava... Aquela mulata tão cheia de vida que acabara de encher os olhos daqueles sambistas amantes do carnaval, estava morta. Não poderiam imaginar seu corpo inerte, esvairando em sangue, estendido no chão eu a viu sambar. Não , era mentira!
E o samba parou. Nenhuma outra Escola queria passar. O desfile seria transferido para outro dia.
O carnaval, cheio de alegria, acabou em sangue. Sangue jovem e sadio.
Passado o primeiro momento de choque e todos queriam saber quem a matou. Foi um crime passional. Joaquim, seu namorado enciumado, acabou matando sua amada. Seu amor era possessivo, queria Ritinha somente para si, não queria dividi-la com outros , mesmo que fosse para ser admirada na Avenida.
Após o primeiro instante, Joaquim deu conta de si: havia matado Ritinha. Como iria viver agora? O que faria naquele barraco vazio? Por que fez isso? Não sabia... Não foi ele que a matou. Foi sua mão, é verdade, mas ele, Joaquim não o fez. Amava Ritinha, sua namorada, sua companheira. Por que fez isso? Por quê? Por...
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KALMAN, Regina Dragiça – in VI Antologia de Poetas e Escritores do Brasil,.
Org. Reis de Souza, Brasília, Grupo Brasília de Comunicação, 1991,vol. XVIII.,p.60
Obs.:
Conto criado em 1982, baseado no conto “A Morte da Porte-Estandarte” de Aníbal Machado. Trabalho realizado no curso de Comunicação Social da PUCCAP, na disciplina de ‘Língua Portuguesa em Comunicação Social’.