CAMPINAS E O CAUSO DO MANÉ FALA ÓH

 

BREVE HISTÓRIA DE CAMPINAS E DO PERSONAGEM POPULAR

MANÉ FALA ÓH

Bandeirantes paulista, por volta de 1720, abriram caminhos no meio do mato possibilitando, dessa forma, comunicação de São Paulo com as minas há pouco descoberta em Goiás: O Caminho de Goiases.

Meio século depois, surgiu o bairro das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí que já contava com 300 moradores e 50 casas interligadas por um picadão. O caminho, posteriormente, no século seguinte, teve seu leito aproveitado pela ferrovia Mogiana.

No dia 14 de julho de 1774, em uma capela de sapê e paus roliços, foi celebrada a primeira missa pelo vigário da paróquia. Essa ficou sendo a data oficial da fundação da cidade, na época Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí

Na segunda metade do século XVIII, Campinas ganhava nova dinâmica econômica, política e social na região, associada à chegada de fazendeiros procedentes de Itu, Porto Feliz, Taubaté, entre outras. Estes fazendeiros buscavam terras para instalar lavouras de cana e engenhos de açúcar, utilizando-se para tanto de mão de obra escrava. De fato, foi por força e interesse destes fazendeiros, ou ainda, por interesse do Governo da Capitania de São Paulo, que o bairro rural do Mato Grosso se fez transformado em Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso (1774); depois, em Vila de São Carlos (1797), e em 1842 em Cidade de Campinas.

Já neste período, (Séc. XIX), os canaviais foram substituídos pela plantação do café, impulsionando em pouco tempo um novo ciclo de desenvolvimento da cidade. A partir da economia cafeeira, Campinas passou a concentrar um grande contingente de trabalhadores (migrantes e imigrantes), empregados em plantações e em atividades produtivas rurais e urbanas. Foram construídas belas casas para a classe média emergente na época, mansões, para os “Barões do Café” e bairros foram criados para a classe de trabalhadores e prestadores de serviços. Até a década de 50 ainda havia famílias renomadas, remanescentes das fazendas de café vivendo em Campinas.

No mesmo período (segunda metade do século XIX), a cidade começava a experimentar um intenso percurso de "modernização" dos seus meios de transporte, de produção e de vida, permanecendo vivo até hoje na memória da cidade, aspectos diversos destas transformações. O progresso deveu-se à época áurea do café.

A construção da rede ferroviária de diferentes companhias férreas em Campinas, a partir de 1868, trouxe para a cidade outra dinâmica e sentido histórico. As Companhia Paulista (1868), Mogiana (1872), Ramal Férreo (1889), Funilense (1890) e Sorocabana (1921), consolidaram o papel já centenário de "entroncamento" viário e serviços, facilitando o acesso a estudantes e trabalhadores à área urbana de Campinas, e o escoamento dos produtos agrícolas para as cidades vizinhas e São Paulo, principalmente, o escoamento da produção do café em grão, até o porto de Santos. Propiciou também a construção de lindos palacetes e chácaras para as famílias dos Barões do Café em São Paulo.

Com a crise da economia cafeeira, a partir da década de 1930, a cidade "agrária" de Campinas assumiu uma fisionomia mais industrial e de serviços. Entre as décadas de 1930 e 1940, portanto, a cidade passou a vivenciar um novo momento histórico, marcado pela migração, imigração, e pela multiplicação e conseguente criação de bairros nas proximidades das indústrias. Deu-se à época novo surto de desenvolvimento.

O comércio era pungente. A cidade possuía clubes sociais excelentes – havia um clube social para negros, o Clube Elite - clubes desportivos e dois estádios de futebol, rede de ensino de primário até faculdade, colégios internos, seminários e conventos, e todos ofereciam Ensino de excelente qualidade para toda a região e outros estados do Brasil.

Uma catedral e algumas igrejas católicas, presbiteriana e um centro kardecista. Uma Santa Casa, Hospitais 92) e uma maternidade, postos de saúde (2) e um Corpo de Bombeiros, cemitério (1), funerária (1) e jornais locais(2).

Na área da cultura, Campinas oferecia um conservatório musical, orquestra local, Teatro Municipal, maestros de renome, bandas de música, cinemas (3), escolas de arte, bares, sorveterias e um Mercado Municipal. Praças (uma com coreto) bem cuidadas ofereciam lazer às crianças e aos jovens da cidade – muitos casamentos tiveram seu início no “footing” da Praça Carlos Gomes e na calçada da Rua Barão de Jaguara aos domingos.

Sapatarias modernas, lojas de armarinho, lojas de tecidos, Lojas Americanas e Casas Pernambucanas, cujo slogan era “Lojas Pernambucanas, uma em cada cidade do Brasil”.

Linhas de bonde e algumas linhas de ônibus circulavam pelos bairros mais importantes. Com o desenvolvimento habitacional mais linhas foram sendo agregadas e os bondes, já na década de 50, foram retirados de circulação.

As fazendas ao redor de Campinas foram, depois da queda do café, vendidas e deram lugar a bairros. A cidade foi se esticando para todos os lados. Uns populares e outros de alto padrão.

E, como não poderia deixar de existir, uma zona de prostitutas “mulheres da vida, coco”, situada ao lado do Mercado Municipal, em razão do desembarque de “jardineiras” (ônibus) que ali estacionavam vindas dos municípios vizinhos.

Na década de 50(séc. XX), Campinas era uma das cidades mais progressistas do interior de São Paulo e é nesse espaço de tempo que tem início o meu causo.

Essa introdução histórica se faz necessária para que eu possa posicionar o contexto e as implicações com os causos e as figuras exóticas da cidade onde eu nasci e vivi até meus 20 anos. Vou contar o causo de apenas um dos vários personagens exóticos da cidade. Então, aqui vai um dos “causos” bizarros da cidade.

Um deles, talvez o mais conhecido pelas mulheres e jovens da cidade, circulava nas cercanias do centro comercial. Era um tipo curioso, uma figura bisonha de rapaz de mais ou menos 17 anos, moreno, meio desconjuntado, pancada mesmo, que ao avistar uma moça desacompanhada – as senhoras desacompanhadas e os homens, não! - atravessava seu caminho, ficava dançando e macaqueando diante dela, enquanto sem trégua repetia: “moça, moça, fala ÓH, fala ÓH". E enquanto a criatura não lhe respondesse ÓH, ele não ia embora. Mas, assim que a moça respondia, ele se virava nos calcanhares e sumia aos pulos com a maior satisfação.

Um dia a sabichona aqui achou que poderia resistir ao assédio do Mané Fala ÓH. Agora, imaginem o que aconteceu... Não, acho impossível alguém imaginar... Não vão chegar nem perto do resultado dessa casmurrice. Eu vou contar...

Estou no ponto de bonde e eis que surge, não sei de onde a “figura”. Como eu não estava nos meus melhores dias - dias de adolescente, claro -, resolvi que naquele dia eu não diria ÓH pro “indigente”. Ele se posicionou na minha frente gingando de um lado para o outro e repetindo:

- Fala, moça, fala, fala ÓH, fala ÓH, moça...

Eu empinei o nariz, virei o rosto e junto com o rosto o corpo todo, ficando de costa pra ele. Ele foi girando à minha volta e dizendo, ou melhor, gritando:

- Fala ÓH, moça, fala, ÓH moça, ÓH, ÓH, ÓH... E foi ficando verde, azul e depois roxo, e já estava espumando pela boca, e balançando os braços com violência como um boneco de pano.

E eu ali, irredutível, rodando nos calcanhares e ele se virando junto, bafejando perdigotos no meu rosto:

- Fala ÓH, moça, fala ÓH... e batia no próprio rosto e puxava os cabelos, e...começou a espumar, a espumar, e a espirar saliva por todos os lados!

A idiota aqui não sabia, a cabecinha coroada com quinze lindas primaveras, que ele iria reagir como uma pessoa insana e com resultados imprevisíveis, se contrariado. Pensávamos, minhas amigas, eu e mais a cidade toda (de adolescentes, é claro), que a “figura” era um mulherengo-sem-vergonha. Nisso chegou o bonde e com ele a solução da contenda, pensei, mas não foi o que ocorreu. A criatura subiu no bonde também e ficou pulando do estribo para o banco, do banco para o estribo, e espumando, feito um macaco enjaulado, e repetindo a mesma frase que a essa altura já soava de forma descomunal:

- Moça, fala ÓH, fala ÓH, ÓH, ÓH...

A essa altura, já perdendo o controle sobre si mesmo - e eu também, meus joelhos tremiam como gelatina -, o seu desespero começou a dividir as opiniões dos passageiros, a provocar uma reação em cadeia. Diante do quadro grotesco de teimosia de ambos os lados, levada às últimas consequências, alguns diziam:

- Fala "ÓH" logo que assim ele vai embora de uma vez; outros diziam:

- Não responde não, assim ele aprende, cria jeito e não vai molestar mais ninguém...

A essa altura dos acontecimentos, quem já não aguentava mais era eu. Não dava pra ver aquele "indigente" pulando na minha frente e quase me agredindo. Puxei a cordinha do bonde, dando sinal que ia descer. O bonde parou e o “delinqüente, desceu. Pensei, agora sim, estou livre da “figura”. Mas não. Ele subiu de novo no bonde e ficou à minha frente me impedindo de descer, e continuou: moça, fala ÓH, fala ÓH, moça...

Não aguentei mais. Ainda no bonde comecei a gritar feito uma louca. Uma louca com os olhos esbugalhados bem perto da cara dele:

- ÓH, ÓH, ÓH, ÓH,... seu idiota, ÓH,...seu burro, ÓH,... seu estúpido, e fui descendo do bonde e ele também!

Não dá para traduzir aqui a cara de felicidade do "indigente".

O "ÓH" era só o que ele queria ouvir e eu tinhosamente o havia levado a um estado de angústia, ao paroxismo próximo da loucura. Sem falar do mal-estar que causei a mim mesma, criando uma situação de igualdade com a insanidade dele...

Esqueci-me do fato que com o tempo perdeu importância. Amadureci, toquei minha vida pra frente, e aos 20 anos de idade mudei-me para São Paulo.

Nunca mais ouvi falar do Mané‚ Fala ÓH...

Esturato

28/09/2009

Esturato
Enviado por Esturato em 29/09/2009
Código do texto: T1838930
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