Uma aposta histórica
Eu moro em Petrópolis desde que nasci. Apesar disso, nunca tinha ido a alguns pontos turísticos da minha cidade. Não sei por que, mas jamais tive realmente o interesse de visitar, por exemplo, a mansão Tavares Guerra, conhecida popularmente como a casa dos sete erros. Na verdade, nunca tinha me interessado por nada que tivesse valor histórico e todos aqueles lugares que vamos obrigados pela escola. A minha vida era me divertir com os amigos e, de preferência, ficar em casa o dia todo jogando videogame. Nada muito anormal para um adolescente de 15 anos. Eu posso até dizer que a minha vida era monótona. Hoje já não posso dizer o mesmo. De qualquer forma, nem que eu quisesse voltar atrás não teria como, nem saberia. Agradeço muito a meus amigos por terem feito essa mudança em mim.
Tudo começou com uma brincadeira besta que fizemos no último dia de aula. Uma aposta boba que fiz com meus amigos, Andrey e Diego, para provar quem era o mais corajoso do grupo. Tínhamos que visitar, durante a noite, um lugar de aspecto sombrio ou que tivesse uma história assustadora.
Eu nunca fui medroso, ou talvez achasse isso porque nunca tinha vivenciado uma situação de pânico, mas, de qualquer forma, eu sabia que iria vencer a aposta muito fácil, pois, ao contrário de Andrey, eu consigo ir sozinho a um cemitério à noite, lugar que eu julgo mais assustador, e não saio correndo.
Decidimos, por fim, escolher a mansão Tavares Guerra. Primeiro porque os boatos que corriam sobre aquele lugar era que houve um assassinato no jardim da frente, bem como aparições de fantasmas, e, segundo, porque Diego era fissurado em coisas históricas e queria que eu aprendesse a gostar delas por bem ou por mal. Nesse caso, por mal. Nós dois sabíamos que eu nunca entraria em lugares como esse por livre e espontânea vontade. Minha mãe sempre me aconselhou a ser mais aculturado, porém nunca a ouvi. Com relação à aposta, aceitei tranqüilo e já pressentia que ia ser uma aventura e tanto.
Na noite seguinte, saímos os três em direção à mansão. O caminho era cercado de árvores altas e sombrias. Fazia muito frio. O vento era de arrepiar. Tudo o que eu mais queria naquele momento era estar embaixo da minha coberta jogando videogame, mas eu sabia qual era a minha missão ali e não podia deixar a fraqueza tomar conta de mim.
Chegamos à frente da casa. Estaria tudo escuro se não fosse a luz da lua que incidia de uma forma peculiar na mansão e a deixava com um aspecto ainda mais assustador. Vacilei um pouco, mas segui em frente. O silêncio era profundo, só era possível ouvir dois barulhos, o do vento que, de tão forte, parecia mais um uivo de lobo e o dos meus pés amassando as folhas secas caídas no chão do jardim. E foi aí que senti a falta de Andrey e Diego. Os dois já não estavam mais ao meu lado. Pensei que eles tivessem ficado com tanto medo que não tiveram coragem de entrar na casa ou que talvez eles tivessem tentando me dar um susto. Olhei para trás procurando por eles, mas nenhum sinal foi encontrado. De qualquer forma, já não importava o motivo que os fez vacilar, o importante era que eu já tinha ganhado a aposta. Fiquei até feliz por isso, mas, quando me dei conta de que estava sozinho em um lugar nada familiar e muito assustador, um arrepio percorreu todo o meu corpo, mas prometi a mim mesmo que nada iria me assustar.
Então entrei na casa. Enxergando somente até onde a luz da lua permitia, precisava me apoiar nas paredes e em algumas coisas que não conseguia identificar. Mesmo assim, não pude deixar de ficar admirado com toda aquela beleza e perfeição desde a arquitetura da casa até os mais simples objetos. A parede era coberta por um fino tecido revestido de fios de ouro que reluzia com a pouca luz que entrava pelas janelas de vidro. Eu sabia que em locais como esse não é permitido tocar em absolutamente nada, mas, devido às circunstâncias, precisei infringir essa regra. Sentindo-me muito culpado, tomei o maior cuidado para que nada sofresse nenhum tipo de dano.
Virei para a sala à direita. Encontrei uma escada que me conduziria até o quarto do casal que antes morava ali. Toquei o corrimão e pude sentir os detalhes na madeira. Sabia que já podia ir embora, não precisava mais seguir adiante, eu já era o vencedor. Porém, a curiosidade foi arrebatadora. Era como se tivesse uma voz me chamando no alto da escada. Eu me sentia impulsionado para continuar adiante e apreciar o quão formosa era aquela construção. Já havia me encantado demais para deixar a casa sem observar cada um de seus mínimos detalhes. Só então eu pude perceber o que estava acontecendo. Sim. Fazia todo o sentido. Isso tudo não tinha passado de um plano do Diego para me forçar a gostar de coisas históricas. Não duvidava nada de que tivesse o dedo da minha mãe no meio. Diego e Andrey sabiam que eu gostava de todas essas aventuras arrepiantes, então eles conciliaram o útil ao agradável para me fazerem entrar em um patrimônio histórico. Para isso acontecer, eles botaram um pouco de adrenalina nessa história toda para eu não ter a chance de recusar. Foram muito espertos, de fato, pois sabiam que, para mim, essa seria a única maneira de entrar na mansão e achar isso uma tarefa empolgante.
Permaneci por mais uns 20 minutos na casa. Entrei em todos os cômodos e toquei em tudo o que fosse possível, pois, mesmo que voltasse lá outra vez, não poderia mais fazer isso. Depois de satisfeito, fui embora. Aquela noite foi maravilhosa.
No dia seguinte, os meninos confirmaram o que eu tinha deduzido. Tudo não passou de um plano. Ao invés de ficar aborrecido por eles terem me enganado, eu vi o lado bom dessa história toda e até agradeci a eles por isso.
Desde aquele dia, eu comecei a ver o mundo com outros olhos. Posso dizer que com essa experiência eu aprendi a tomar gosto por tudo que é histórico. Minha vida não é mais monótona. Não vou fazer faculdade de história nem nada do tipo, mas me interesso por tudo que se refere ao passado que, de uma forma ou de outra, faz parte de mim e todos nós. Hoje, com 18 anos, sempre que posso, vou a um museu ou até mesmo viajo para uma cidade histórica junto com Diego que, igual minha mãe, ficou muito orgulhoso de mim.