TRÊS HERÓIS POPULARES

Dona Chaguinha, Papacu e o Zé Tatá, meus três heróis do povo. Conheço pouco, ou quase nada, acerca das biografias destes personagens da vida real. Hoje, à sombra do Além, eles são apenas páginas amarelecidas do folclore moleque de Fortaleza.

A figura mais emblemática e carismática – D. Chaguinha – eu a vi muitas vezes, nos estádios Presidente Vargas e Carlos de Alencar Pinto, no velho Porangabussu. Isto foi aos tempos em que eu era gamado e ardoroso fã do time do “Vovô”. Atualmente só simpatizante, pois nem mais me abanco na paz de um sofá, além de um ou outro jogo da Seleção. Naqueles idos, contudo, fazia-me um indefectível frequentador das nossas duas únicas praças esportivas. Com o advento de uma terceira praça, a maior do Estado, o Castelão, até hoje ainda não lhe botei os pés, por comodista e literal abulia.

Ah, eu mexi com um nome – o bairro de Porangabussu, também dito Parangabussu. Nomes assim, lindos e sonoros, saborosos topônimos, hoje engolidos pelo nada fazer da Câmara Municipal, em sucessivas bancadas. Houve época em que ela só existia para isto: mudar nomes de ruas, logradouros, praças, bairros e avenidas. E também para conceder títulos de cidadania. Mas, até o presente, ainda não ocorreram grandes avanços nem mudanças, salvo nos vencimentos dos senhores edis.

Volvendo à epopeia da “tia” torcedora de futebol, a D. Chaguinha não era lá aficionada para botar água a pinto. Possuía cadeira cativa nos estádios e tinha fama de “torcedora nº 1” do Ceará, o “Vovô”. Portanto, a Brahma é que a anda imitando, por aí, com a atual história de ser a “nº 1”. Ai de quem, ao alcance da mão da respeitável matrona, que era mulher baixota e muito chochinha, ensaiasse um daqueles gritos desarvorados a favor de outro time que não o dela própria. E se fizessem xingação, por perto, ao seu glorioso Ceará Sporting Club? Conforme o variar do tempo meteorológico, a nossa velhinha, que não largava nunca do seu guarda-chuva, ou guarda-sol, ficava muito “espritada”. Metia o cabo da sua “arma” no desrespeitoso que se lhe atrevesse fazer gozação.

A torcida toda, em geral, gostava da disposição da velha e jogava vivas à zelosa guardiã do “Vovô”, sempre toda paramentada de preto e branco. Dizem que, às vezes, de acordo com o humor dominante, também era chegada a exagerar na guerrilha verbal: “Cala-te daí, seu filho de uma...” E aí completava a frase. Então, de peito lavado, a galera alvinegra gargalhava e aplaudia o destemor da macróbia. O fato é que D. Chaguinha era um símbolo, uma mascote, um ídolo da torcida do time de Porangabussu. O Pedrão da Bananada, com balcão no Abrigo Central, de bigodes e tudo, em competência de torcedor alvinegro, perdia era longe da velhinha magricela.

Já o Papacu, chefe da camisa do minúsculo clube do América, caracteriza-se por dois aspectos: ostentava uma bonita feiura e arremetia chutes relâmpagos, inesperados, no ar. Estando o Papacu nas arquibancadas, e houvesse um golzinho de milagre dos rubros, à toa, então ele sapecava a bola imaginária no traseiro do vivente que, por desventura, ali se quedasse, diante dele. Quando, numa raridade, os vermelhos faziam um gol chorado, viche, o feioso descontava, e zás e pimba: “Goooool!!!” Só que, como ficou claro, com a emoção e o alarido do berro, a perna do Papacu também ia junto. Desgovernado, o pontapé fuzilava, inadvertido e automático.

O feioso, que tinha rigorosamente a boca arredondada, tal qual o bico do pássaro verde que lhe dera o apelido, por conta das suas patadas estapafúrdias, no traseiro das pessoas, algumas vezes tomava até banho de tapas. Não reagia, coitado, talvez por dor de consciência. No entanto, lá nas rodas de bate-papo do Abrigo Central (demolido), na Praça do Ferreira, sem chutes por detrás, Papacu afinava-se muito bem com o pessoal das várias torcidas. E era querido e coisa, e tal, apesar da feiura. Ô cristão feio, minha Santíssima!

Zé Tatá era o gajo que fugia às normas populares e da moral preestabelecida. Contavam, e a cidade inteira sabia disto, que o marmanjão era homossexual. Veado assumido, sob o fogaréu do grande preconceito de então, ele não era assim tão desportista. Sei lá se torcia por algum time. Ia aos estádios, só aqui e ali, sem demonstrar paixão por tal ou qual agremiação futebolística. Todavia contemporizou com os dois de quem falei primeiro. E também, como D. Chaguinha e o Papacu, o Zé Tatá se fez um camarada notado e notável, em Fortaleza. Alto, vermelho de pele, fornido de tórax e careca. Cabeça sempre polida e reluzente, o maricas era metido a ser e parecer machão. Embora mal-falado, com a masculinidade em xeque-mate, a cidade inteira afirmava que ele era bom de briga.

Dono de casa de recurso (cabaré, bordel, chatô, tudo galicismo besta), fosse algum passar a perna ou o “xêxo”, não cumprindo com a obrigação! Aí o caloteiro comia era do lado ruim. Era só a mulher queixar-se ao seu guru afeminado, e o homenzinho, feito machão que só preá, metia os pés pelas mãos, saía de porradas e aos pontapés com o mau freguês.

Tive um professor de português e latim, padre de batina e tudo, que disciplinava a classe, fazendo graça, nestes termos, assim, com o fito de baixar o fogo do aluno conversador: “Olha aí, gente, esse menino não parece como o Zé Tatá?” E, então, claro, a turma toda rolava, embarcando na gaitada.

Fort., 13/09/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 13/09/2009
Reeditado em 14/09/2009
Código do texto: T1808886
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