Enquanto isso na Vara cível...
- Senhor Personagem, está ciente que o não pagamento da indenização acarretará na sua prisão por negligência e tentativa de homicídio?
Personagem injeta olhos repletos de ódio rançoso no homem a sua frente. Este não possui as pernas e locomove-se com auxílio de cadeira de rodas.
- Não posso acreditar que isso esteja acontecendo, isso é ridículo! – Personagem esbraveja incontrolado, incapaz de imaginar como aquela situação, no mínimo absurda, poderia estar acontecendo.
- Você é acusado de atropelar dolosamente a vítima, causando sua imobilidade e amputação dos membros inferiores. – O juiz diz, como se Personagem ainda não houvesse pronunciado qualquer palavra.
- Escute! – Personagem diz esmurrando a mesa. Seu advogado, sentado ao seu lado na mesa, cobriu o rosto com uma mão, um gesto universalmente conhecido como constrangimento. – Presta atenção seu burguesinho estúpido! Grandes merda se você é juiz estadual, federal ou galáctico. Esse sujeito tentou me assaltar. Parou a moto ao lado do meu carro e puxou o berro pra fora. Por sorte consegui arrancar o carro com velocidade e fugir. O filho de uma desgraçada disparou duas vezes contra mim, o carro está na perícia como sabe. A moto vinha atrás, então, num lapso de loucura, eu freei o carro com tudo e o bastardo bateu com a roda no pára-choque traseiro. Voou como uma graça para frente do carro, mas logo levantou-se e apontou a arma para mim. Não tive outra alternativa senão atropelá-lo! Quem é vítima nessa merda sou eu! Ele é um delinqüente! A polícia já puxou a ficha desse desgraçado na minha frente e viu uma lista maior que a de compras da minha esposa quando chega cartão novo no pedaço!
O advogado do “menor” disse em tom proibitivo:
- Senhor Personagem, peço que meça suas palavras. Esse local é um lugar de respeito e exigimos está postura do senhor. Meu cliente foi atropelado e perdeu as pernas, agora precisa de amparo. O senhor foi o algoz e não a vítima, terá que arcar com as responsabilidades inerentes ao ato que perpetrou.
- Então eu teria que deixar ele me assaltar? Ou melhor, me matar por eu ter ousado fugir?
- Isso realmente não vem ao caso, Sr. Personagem. – O advogado do aleijado disse. Personagem notou como seu cabelo estava exageradamente empastado com gel e que, estranhamente, tinha unhas muito brilhantes. – O não pagamento da indenização por danos físicos e morais acarretará em sua prisão. A quantia que exigi é mínima comparada ao verdadeiro estrago na moral e na integridade desse rapaz.
Personagem permaneceu fitando o advogado, sem poder acreditar nas coisas que ouvia. As palavras penetraram em seus ouvidos, mas a idéia de que aquilo estava realmente acontecendo era insuportável. Limitou-se a rir sem humor, como quem diz “OK pessoal, a piada é muito boa, mas vamos começar a falar sério.”
- Não vou pagar, simplesmente não vou pagar. – Disse por fim, recostando-se na cadeira. – E acho injusta minha prisão, se ela acontecer.
- E acontecerá, providenciarei isso o mais breve possível.
- Mas tem uma forma de tornar essa prisão justa... – Personagem continuou falando, como se não tivesse sido interrompido.
Subitamente retirou do bolso da calça que usava um estilete pequeno. Com um golpe ágil e fugaz, Personagem golpeou o pescoço do homem aleijado. Foi algo muito rápido e quando o advogado de cabelos empastados deu por si, seu terno de algumas centenas de reais estava coberto de sangue. Espirrava aos borbotões do pescoço do aleijado, e esse gorgolejava desconsolado com as mãos sufocando o ferimento mortal. O juiz estava pasmo e não parecia ter sido treinado para esse tipo de situação. O advogado de Personagem levantou-se com um grito, chamando pelos policiais. Logo dois deles entraram e agarraram Personagem, jogando-o contra a parede.
- Agora vocês têm um motivo JUSTO para me prender, filhos da puta!