O compadre mentiroso

O compadre Bastião ascendeu o seu cigarro de palha e, depois de umas duas ou três tragadas, deu uma cusparada que passou raspando a cabeça do Piloto, um cachorro velho e preguiçoso que não desgrudava dele um só segundo. Depois esticou os olhos ali pelos lados da cordilheira que rodeava todo o vale, como se fosse um enorme muro protegendo as humildes choupanas que povoavam o vilarejo. Permaneceu pensativo por alguns minutos e antes de reiniciar a conversa com o compadre Tonho, deu uma pigarreada para limpar a garganta e cuspiu novamente.

----Óia Compadre Tonho, tem certas coisas que a gente conta para as pessoas e elas acham que a gente é mentiroso.

----É mesmo! –Respondeu o Compadre Tonho, sem saber ao certo o porquê daquela conversa.

----A semana passada eu comprei um fumo de corda que veio lá da capital, e vou te dizer uma coisa: --Fumo forte igual aquele eu to prá vê!

----Não brinca compadre! É bom mesmo!

----Pois to te falando! E o senhor não vai acreditar! Eu enrolei um cigarro de palha com esse fumo, e sentei ali na beirada do rio pra mode pensar na vida. E enquanto puxava uns pensamentos lá do fundo da cachola, eu peguei meu canivete e comecei a picar uns gravetos, só pra se distrair. De repente o canivete escapou da minha mão e caiu dentro d’água. Eu não tive dúvidas, pulei atrás e mergulhei lá no fundão!

----Não brinca Compadre Bastião! E o senhor achou o canivete?

----Achar eu achei, mas foram necessários uns nove ou dez mergulhos. Depois de quase meia hora dentro d’água, naquele sobe e desce danado, finalmente consegui encontrá-lo.

----Uai compadre? E o que tem de mais nisso pra pessoas pensar que é mentira?

----Acontece que quando eu me espichei na água, esqueci que estava com o cigarro aceso na boca e depois de quase meia hora de mergulho, assim que encontrei o meu canivete, saí da água e só então me dei conta que o cigarro ainda estava aceso.

O Compadre Tonho olhou meio torto com o canto dos olhos e preferiu ficar calado. Permaneceu pensativo por um longo tempo, matutando, talvez, uma mentira a altura só para dar o troco a aquela conversa fiada do Compadre Bastião.

E enquanto o Compadre Bastião dava as suas baforadas, o Piloto acompanhava com seu olhar preguiçoso a fumaça que subia de mansinho e se perdia no ar. Até que Compadre Tonho reiniciou a conversa.

-----Mas é verdade viu compadre! A gente às vezes vivência certas coisas que é até melhor ficar quieto para não ser chamado de mentiroso!

----E não é? –Respondeu o compadre Bastião.

----Pois então, viu Compadre Bastião, dias destes apareceu uns caboclos lá de São Paulo, dessa turma de baloeiros. Não sei se o senhor já ouviu falar?

----Pessoalmente eu não conheço não. Já vi pela televisão. Eles soltam aqueles balões enormes, com umas fogueteiras penduradas, que quando começa a explodir é uma barulheira danada.

----Exatamente compadre! É esse pessoal mesmo! Pois eles apareceram ali pelas bandas do meu sítio, há uns quinze dias atrás, e me pediram permissão para soltar um balão perto do meu roçado. Eu permiti, pois nunca tinha visto um danado desse de perto, e é lógico não ia perder a oportunidade.

----É claro Compadre Tonho! Eu no seu lugar teria feito o mesmo!

----E vou te falar uma coisa; o danado era grande viu! Só pra encher o bicho eles levaram dois dias.

----Não brinca! Então o danado era grande mesmo?

----Se era grande? Depois de cheio ele ficou do tamanho de um prédio de mais ou menos uns oitenta andares!

----Virgem Santa, mas que raio de balão era esse Compadre Tonho?

----Menino... nunca tinha visto nada igual! E depois que eles encheram o bitelo, eles tocaram fogo nas tochas, que deviam pesar umas duas toneladas cada uma. Compadre... foi nessa hora que a coisa ficou preta.

----Não vai me dizer que o bicho pegou fogo?

----Não! O balão era tão grande e as tochas eram tão poderosas que eles perderam o controle do bicho. O danado começou a arrastar todo mundo, querendo subir antes de terem amarrado o foguetório.

----Meu Deus eu até imagino o desespero!

----Foi ai que eu resolvi entrar na história! Pulei pra riba do trator que estava parado ali perto... não o pequeno, aquele grandão que pesa não sei quantas toneladas, e acelerei pro lado do balão e já fui gritando: --Amarra ele no trator! Amarra no trator!

----Caramba Compadre Tonho! Ainda bem que o senhor agiu com rapidez.

----Pois então Compadre Bastião, os homens com muito custo conseguiram amarrar o balão no trator. Só que o bicho não se deu por vencido. Ele pendeu pra um lado, pendeu pro outro lado, e o senhor não vai acreditar?

----Já sei! Dessa vez pegou fogo?

----Que pegou fogo nada! O desgramado estava com uma força tão danada que começou a subir com trator e tudo!

----Pera ai Compadre Tonho! Aquele tratorzão que o senhor comprou no começo do ano?

----Ele mesmo Compadre Bastião!

----AAAra! E o balão tava subindo com ele junto?

----To te falando! Chegou a subir uns cinco metros! Só que eu não dei moleza pro bicho não! Pisei no freio e segurei o danado. Depois engatei uma ré e vim arrastando ele até ficar rente ao chão.

Dessa vez quem olhou torto foi o Compadre Bastião.

----Ô Compadre Tonho, não que eu esteja duvidando do senhor. Pelo amor de Deus nem pense numa coisa dessas! Mas só me "arresponde" uma coisa...

----O que foi Compadre Bastião?

----O senhor tem certeza que o freio funcionou no alto, sem ter nada pros pneus se apoiarem? E depois ainda deu marcha ré e trouxe ele de volta pro chão?

----Veja bem!... Não vou mentir!... Não cheguei a trazer ele totalmente até o chão! Ele ficou a meio metro do terreiro. E eu fiquei ali com o pé no freio por quase uma hora, até que eles conseguiram amarrar a fogueteira.

----A meio metro do chão?

----Mais ou menos isso!

----E o senhor ficou ali no alto com o pé no freio, sem que os pneus tocassem em nada?

----Parece que o senhor não está acreditando em mim Compadre Bastião?

----Olha Compadre Tonho; com todo respeito que eu tenho pelo senhor. Pelo amor de Deus, não lhe estou chamando de mentiroso. Eu só acho que o senhor deve estar enganado. Pois sem uma superfície sólida pros pneus terem um contato, não tem como o senhor ter freado o trator e tão pouco ter dado marcha ré. E o senhor ainda ficou ali quase uma hora com o pé no freio?

O Compadre Tonho esticou os olhos novamente pros lados da cordilheira, colocou-se de pé, coçou a bunda e respondeu:

---- Olha Compadre Bastião, só pra encurtar a conversa, e a gente não ficar aqui duvidando um do outro, vamos fazer o seguinte; se o senhor sair da água com o seu cigarro apagado, eu tiro o pé do freio e deixo o balão ir embora.

O Compadre Bastião olhou com cara de poucos amigos, ajeitou-se de lado e bateu o cigarro pra derrubar as cinzas. Deu mais umas duas ou três baforadas e permaneceu calado, olhando para o lado contrário de onde estava sentado o Compadre Tonho. O Piloto observava a tudo aquilo inocentemente, apenas admirando com seu olhar preguiçoso a fumaça que subia em caracóis e se perdia no ar, tão mansamente como aquele final de tarde e comecinho de noite, naquele sossego de mundo onde, na verdade, não acontecia nada. E o pouco que acontecia era tudo mentira.