A Menina e a Ponte
Até seus dez anos de idade, Maria nunca havia saído de sua cidade. Um dia a mãe lhe falou que iriam fazer uma viagem. Estremeceu. Vieram-lhe lembranças de histórias assustadoras que sempre ouvia dos parentes, desde pequena, sobre a ponte que teriam que atravessar. Eram histórias terríveis de carros e ônibus que caíram no rio ao passarem por ela, e muita gente morreu afogada.
Ela tinha muito medo de afogamentos e por isso, escutava aquelas histórias, cheia de pavor. A partir do anúncio da viagem, uma forte inquietação tomou conta dela. Era como se pressentisse um perigo mortal se aproximando. Aquela ponte era uma terrível ameaça a sua vida
Muitas vezes, impressionada, sonhou com ela. Uma vez, sonhou que ao atravessá-la, a ponte começara a crescer. Apavorada correu tentando alcançar o outro lado do rio. Mas, a cada passada sua, a ponte mais se encompridava. Cansada, parou, mediu com o olhar o caminho a percorrer e se desesperou ao ver que o fim da ponte ainda estava muito longe. Mesmo assim continuou a correr. Mas, a ponte só crescia, e as margens do rio ficavam cada vez mais longe. Acordou em pânico. O suor inundava-lhe a roupa.
Às vésperas da viagem passou o dia, excitada. À noite, custou a pegar no sono. Na verdade, dormia, acordava, acordava, dormia, cochilando em mergulhos rápidos, dos quais emergia sentindo-se acuada pela idéia de ter que atravessar aquela ponte assassina. Desejou ficar acordada. Pois tinha medo dos sonhos que acompa-nhavam o seu sono. Eles a perseguiam trazendo de volta imagens terríveis da ponte crescendo.
Na hora da viagem, com receio entrou no ônibus. Ao acomodar-se na poltrona, ao lado da janela, notou que suas mãos estavam frias, tão frias, que ao cruzar os braços, sentiu-as geladas como um sorvete. Quando a porta do ônibus se fechou, e ao sentir que se movimentava, um frêmito percorreu o seu corpo e o suor brotou-lhe dos poros. Em poucos minutos, o veículo alcançou a estrada, os pneus zuniram; o vento balançou as cortinas e veio ao encontro de seu rosto.
Por vários quilômetros a viagem se desenrolou tranqüila. De repente, sem aviso prévio, o ônibus diminuiu a marcha e entrou em uma curva. No fim da curva o terreno tinha um forte declive. Ela assustou-se ao ver que a sua frente, por cima do mato, surgia a ponte com seu leito de madeira pendurado, entre os dois lados do rio, estreitando a estrada. Por alguns segundos, olhou-a como quem vê um monstro ameaçador. Depois, fechou os olhos e esperou pelo pior.
O ônibus desceu lentamente a ladeira e entrou na ponte. O coração deu saltos descompassados e a respiração acelerou-se. Não podia mais fugir, agora tudo era real. A ponte existia e sua vida corria perigo. Súbito um barulho estranho. O chiado dos pneus nas tábuas da ponte deu-lhe uma sensação de pânico. Ficou sem saber o que pensar, até que não ouviu mais o barulho. Na verdade, só tranqüilizou-se quando ouviu sua mãe falar que o ônibus acabara de passar a ponte. Mesmo assim, por mais alguns segundos, manteve os olhos fechados. Depois, foi os abrindo bem devagar como se despertasse, enquanto alguém acendia a luz. Sentiu-se aliviada. Nada havia acontecido. Não que ansiasse por um acontecimento ruim, mas porque esperava que alguma coisa, de fato, acontecesse.
Confiante, abriu a janela. Viu a estrada se estender sinuosa a sua frente, distanciando-se da ponte. O medo cessou, toda a inquietação desapareceu. Ficou alegre por estar viva e esboçou um leve sorriso. De repente, gelou e toda aquela sensação de felicidade, não ocupou o seu rosto por mais que um segundo, pois se lembrou de que a volta era inevitável.