A MOBILHA. (Conto Acordelado)
Conheceu não, Zé de Tota? Pois agora vou lhe contar! Certa vez lhe vi chegar carregando uma grande mala, lá dentro escondia uma tralha difícil de acreditar.
Num sopro por cima do couro varreu a poeira e o pó depois desatou um nó que nem o cão desatava.
Um cadeado de ferro antigo que dava dó abriu com uma volta só da velha chave envergada. Com os anos das dobradiças a tampa da mala gemia por dentro a traça brincava por fora o cupim ruía. A mobilha herdada da tia, era tudo que a mala guardava.
Coberto com um pano de linho, antigo e bem desbotado, um candelabro quebrado preso em duas correntes, um velho serrote sem dentes também com o cabo rachado.
Do lado, um rosário amassado feito de ferro e prata, a foto de um vira-lata mamando no peito duma porca. Uma maçaneta de porta envolta num nó de gravata, e uma largatixa ingrata com a calda quebrada e torta. Uma garrafa de vidro com duas cobras boiando numa mistura de álcool, azeite e isopropano, se não me empolga ou engano também vi uma vespa morta.
Um trevo e um pé de coelho talhados em Pau Brasil, o bico de um funil e o caco de uma tigela. Uma cibalena amarela e um melhoral infantil com data de vencimento em maio de sessenta e oito. A lata de um biscoito fabricado em Portugal, o recorte de um jornal em que lampião morria. Também um retrato da tia com o tio fazendo casal escrito “lembranças minhas para um sobrinho amado”. Nem reparei que do lado o velho Zé Tota chorava e as lágrimas que derramava era lembrando o passado.