Vai ser distraido assim lá no 507
Ele ia no apartamento da mãe pelo menos três vezes por semana, conhecia o caminho mesmo se estivesse de olhos fechados. E naquele dia não foi diferente, a diferença era que e faltava luz e ele teve que encarar as escadas. Cumprimentou o porteiro com a sua costumeira gentileza e foi subindo as escadas enquanto cantava, ou seria o contrário? Cantava enquanto subia as escadas. Parou em frente à porta e verificou se o material estava todo dentro da sua valise. Jardel é técnico em enfermagem e massagista profissional. Tocou a campanhinha e continuou cantando desafinado. Não, não era a música, era a voz mesmo. A porta se abriu e uma figura feminina, morena e franzina surgiu na sua frente. Jardel abriu seu mais belo sorriso (leia, maroto) deu um tapinha no ombro da moça e foi entrando e falando alto, como de costume. – Aí, Filú, ganhou na loteria, é? Empregada nova, móveis novos. Não faz nem três dias que estive aqui e a cor do Ap era outra. -Ta gastando, bem podia me emprestar algum. E enquanto falava e ria ia tirando a parafernália da valise. Sabe quando a gente sente que tem alguém olhando pra gente, mesmo que a gente não esteja vendo? Pois é, tinha alguém olhando para o Jardel, olhando com cara de “não te conheço, negão” (negão pode dar problema,mas a palavra não dita foi essa. Vou arriscar.). Jardel levantou os olhos e viu aquela senhora estranha parada na porta do quarto da sua mãe. Tirou os olhos da senhora e se fixou na moça que abrira a porta. Eram muito parecidas, mesma cor de pele, mesma cor de cabelos, olhos castanhos, franzinas e com caras abobalhadas. – Moço, se o senhor não se explicar direitinho, vai ter problemas, já liguei pra polícia. – Que conversa é essa, dona? Vim fazer a massagem na minha mãe, a Filú. Pára de brincadeira besta e chama ela pra mim. – Se sua mãe estivesse nesse apartamento eu a chamaria para lhe dar uns tapas para aprender a não invadir a casa alheia. – Ô Filú, ô Filú, você nunca teve senso de humor, não acha que é tarde pra começar? – Quem é Filú, moço? – Filú é minha mãe, a senhora sabe disso. Bolas. – E qual o número do apartamento da sua mãe, moço? - É esse aqui, dona. Numero 607. – Moço, saia e olhe o número desse apartamento. É 507. O senhor se enganou e invadiu o apartamento errado. Jardel era como São Tomé. Só vendo pra crer. E foi conferir. Era 507. Mas Jardel era mesmo um caso perdido de puro otimismo e alegria contagiantes. Não perdeu o rebolado. - Dona, me perdoe, por favor, mas já que estou aqui e arrumei o material para a massagem da Filú, não quer aproveitar e fazer uma sessãozinha?