A APARIÇÃO

Francisco narrou este causo, numa noite de lua cheia, mar calmo e sereno.

1º Capítulo

A HISTÓRIA

Conforme traçado da história, Sebastião Caboto, navegador veneziano que comandava um navio espanhol, aportou na ilha, exatamente no ponto denominado anos mais tarde como “Porto do Contrato” ou do “Cadete”, no ano de 1526. Por ser este, um porto que oferecia proteção contra os ventos, tinha as ilhas Dona Francisca, Ilha das Laranjeiras e Ilha do Largo, havia ainda um pequeno ribeirão que ofertava água de boa qualidade.

Hoje, no exato local onde funcionou o porto onde Sebastião Caboto desembarcou de sua nau, funciona o restaurante, que traz o mesmo nome: “Porto do Contrato”, reconhecido nacionalmente por sua excelente culinária, bebidas diversas e ambientes tipicamente decorados. Além, é claro, da excelente vista marinha, que se situa defronte pras ilhas anteriormente citadas.

É dito, e ouvido por alguns dos funcionários do restaurante, que volta e meia, o fantasma do navegador Sebastião Caboto “passeia” pelo local. Parece que Caboto apreciou tanto nosso lugar, que nem após sua morte deixou de estar entre nós.

2º CAPÍTULO

Contato com o inusitado

Noite dessas, Graziela, garçonete do restaurante, foi até o trapiche verificar se estava tudo ok. Eis que, para sua surpresa estava sentado no deque um homem deveras estranho. Este se encontrava com os pés pendurados, quase tocando o mar, contemplava-o fixamente, enquanto rolava uma garrafa de bebida vazia no chão de madeira.

Curiosa, Graziela avançou firme pelo trapiche até alcançar a figura masculina que ali se encontrava. Ao chegar perto, a moça pode perceber que as vestes do dito homem eram por demais ultrapassadas, este usava roupas de corsário, botas até os joelhos, parecendo um antigo uniforme militar.

Como ele estava de costas para ela, não pode vislumbrar-lhe as feições e este por sua vez não parecia dar importância alguma à chegada da moça, pois não teve o trabalho de voltar-se para ela, apenas pareceu fingir que estava sozinho no deque.

Graziela então lhe tocou o ombro e disse:

-Oh, Moço! O restaurante já fechou!

O homem virou-se para olhar sua inquisidora. Não disse palavra, apenas a olhou e esboçou um sorriso deixando a mostra dentes amarelados que parecia não ver escova e creme dental há anos.

O homem tinha as feições duras, barba por fazer e um ar imponente no olhar. Certamente era um lunático vindo não se sabe donde, parar por estas bandas.

Perdendo um pouco a paciência Graziela tornou exigindo com voz firme:

-Por favor, senhor, o senhor precisa ir agora, o restaurante está fechado, não estamos mais atendendo.

Como se não a tivesse escutado, o homem voltou o olhar para o mar, sem dar a mínima para a moça, continuou rolando sua garrafa vazia de um lado a outro.

Graziela reparou nas mãos firmes e compridas que manuseavam a garrafa, e percebeu que possuía um anel de ouro no dedo anelar parecendo ser muito valioso e antigo.

-Desculpe moço, mas o senhor precisa ir agora, ou terei que chamar o proprietário. – repetiu, aumentando o tom de voz. Como este não mostrou sinais de ir, Graziela girou nos calcanhares e perfez o trajeto pelo trapiche, voltando para o interior do restaurante.

-Quero ver se esse doido vai ou não vai embora. – disse para si mesma. – Com certeza o Francisco vai dar um jeito nesse bêbado estopo.

3º CAPÍTULO

ONDE FOI PARAR O HOMEM?

Francisco, juntamente com o restante do seu corpo de funcionários, conversava descontraidamente junto à copa do restaurante. Nisso, chega Graziela esbaforida vinda do trapiche. Todos se voltaram para ela, que disse:

-Francisco, tem um doido sentado no deque que insiste em permanecer por lá!

-Doido, que doido? – indagou Francisco assumindo uma de sério.

-Um cara vestido com roupas estranhas. Eu insisti para que ele saísse, mas ele nem me deu a mínima.

-Vamos até lá ver de quem se trata. – adiantou-se Francisco assumindo a liderança.

Graziela o seguiu falando pelos cotovelos, sobre sua insistência em demovê-lo da idéia de deixar o restaurante, mas este não lhe deu ouvidos.

-Vamos ver o que esse tal estranho quer, não é mesmo? – falou Francisco.

Lado a lado, caminharam até o final do trapiche, porém, não havia ninguém sentado no deque.

-Ué? Cadê o doido, gente? – indagou Graziela fazendo uma busca ao seu redor.

-Parece que o tal homem resolveu nadar. – respondeu Francisco olhando duvidoso para a sua funcionária.

-Francisco, ele estava aqui! Eu o vi, juro!

-Acredito em ti, mas onde foi parar o tal homem?

-Não sei. – respondeu nervosa. – Será que se jogou no mar?

-Se tivesse feito isso, não teria dado tempo de desaparecer tão rapidamente. – concluiu Francisco.

O restante dos funcionários se juntou a Francisco e a Graziela, Todos se entreolharam e riram desacreditados.

Graziela ficou indignada, pois, pareciam estar tirando sarro da sua cara.

-Estou falando a verdade, eu juro que tinha um homem aqui! – reafirmou com convicção.

-Vamos dar uma busca por todo o restaurante. –ordenou Francisco.

4º CAPÍTULO

A BUSCA

Fizeram uma operação pente fino no interior e nos arredores do restaurante, e nada do homem descrito por Graziela.

Os funcionários estavam cansados e todos ansiosos para voltarem pra suas casas. Dona Meridiana, uma senhora de meia idade e corpo atarracado que trabalhava na cozinha,disse:

-Olha Francisco, não tem mais onde procurar, se tal homem esteve por aqui já deitou o cabelo e, eu quero fazer o mesmo, o Zé já deve tá nos cascos com a minha demora (disse referindo-se ao esposo que ficava bravo quando se demorava no restaurante).

-A Meridiana tem razão, a Grazi viu foi coisa! - salientou Márcio, mostrando-se impaciente.

Francisco então olhou para Graziela e disse:

-É Grazi, parece que o tal homem misterioso só apareceu pra você.

-Quem sabe não era um fantasma? – indagou Márcio em tom matreiro.

-Sangue de Jesus tem poder. – Foi a vez de Berenice, uma crente que trabalhava na limpeza se manifestar.

Francisco riu alto e disse:

-Bom, se fantasma ou não, o certo é que o homem não está mais nas dependências do restaurante, ou ele realmente foi fruto da sua imaginação Grazi, ou saiu a nado.

-Não. Eu toquei nele, senti o tecido duro da roupa que ele usava, entre meus dedos, ainda posso sentir o cheiro de bebida e roupa velha exalados por ele. Meu Deus! Como isso pode ser? – dizia indignada.

-Tudo bem Grazi, não duvidamos de você. Certamente ele saiu sem ser visto. – argumentou Francisco tentando acalmá-la.

-Agora vou levar vocês pra casa, e por hoje, vamos esquecer esse assunto de fantasma.

5º CAPÍTULO

A LESTADA

Passou-se uma semana depois do episódio do estranho visto no deque por Graziela. A pedido de Francisco, o assunto foi encerrado e ninguém tocou mais no fato acontecido.

Após esse tempo, numa sexta feira que por sinal, era sexta feira treze o restaurante fechou um pouco mais tarde, e Francisco havia levado o primeiro grupo de funcionários em casa, e depois voltaria para buscar o restante.

Graziela depois daquela noite, não conseguiu mais parar de pensar no homem visto por ela no deque. Durante a noite sonhava, e o rosto do estranho lhe aparecia e lhe dizia algo inteligível, ela acordava angustiada, mas não contava a ninguém.

Assim que Francisco saiu com a primeira parte da equipe, Grazi ficou esperando com os demais a volta dele. Pegou um cigarro e foi fumar no deque. As luzes haviam sido apagadas, ela cruzou o trapiche às escuras, e quando estava no meio do percurso, avistou uma silueta sentada no mesmo lugar, e parecendo a mesma pessoa que vinha lhe assombrando os seus sonhos e pensamentos. Nas mãos, uma garrafa de bebida vazia que rolava no assoalho de madeira enquanto contemplava o mar. Sentiu um arrepio percorrer-lhe todo o corpo, apagou o cigarro no poste de madeira, e continuou caminhando como se estivesse sendo atraída.

Seus temores se confirmaram, e ao chegar mais perto, percebeu tratar-se realmente do homem que trajava o uniforme de corsário. Enchendo-se de coragem, Graziela tocou-lhe o ombro. Ele por sua vez, continuou imóvel apenas movimentando a garrafa vazia no chão de um lado a outro.

O vento soprava forte, Graziela mal conseguia ficar de pé sobre o deque, o mar estava agitado e formaram-se ondas grandes que pareciam querer lamber o mundo. Naquela enseada geralmente o mar é tranqüilo e sereno. Talvez ela jamais o tenha visto assim, tão agitado.

- Quem é o senhor?- perguntou com a voz vacilante.

-Esta noite não é uma boa noite para navegação. – disse o homem carregando num sotaque italiano.

-O que disse? – indagou Graziela espantada com a voz firme do homem.

-Vento leste.- disse

-A lestada? O que tem demais?

-Isso. Não é bom para navegação.

-Outro dia o senhor esteve aqui, não é verdade?

-Noite ótima para navegar aquela, mais minha tripulação partiu sem mim, estou esperando a volta da nau para que eu me vá.

-Nau? Que Nau? Quem é o senhor?

Ele nada mais disse. Voltou-se para sua reflexão.

-Por favor, moço...

Nisso Graziela ouviu a voz de Francisco chamando por ela.

6º CAPÍTULO

O REENCONTRO

Era a chance que Graziela tinha de provar que o homem estranho realmente existia, e que estava ali naquele momento.

-Aqui! – respondeu ao chamado. – queria que Francisco visse com os próprios olhos, por isso, correu ao encontro do patrão, para que ele fosse testemunha ocular de que estava falando a verdade.

-Vem comigo, Francisco. – disse, puxando-o pela mão.

-Ficou doida, garota? O que está acontecendo?

-Tu vai ver com os teus próprios olhos. – disse e o arrastou para o final do trapiche.

-Olha! – disse apontando.

Francisco olhou e o que viu foi um vulto desaparecendo na direção do mar.

-O que é isso, minha Nossa Senhora da Lapa?

-Não te disse? Aquele é o tal homem.

-Mas, mas... – Francisco ficou gago, apesar de não ter visto de perto, pôde perceber que era o vulto de uma pessoa que andava sobre a água, como aquilo era possível?

-Viu, como eu tinha falado a verdade naquela noite?

-Graziela! – exclamou ainda assustado.

-Hoje ele falou comigo!

-O que foi que ele disse?

-Que o vento leste não era bom para navegação, e que a tripulação dele o deixara pra trás numa tal de nau, e ele estava esperando o retorno deles.

-Uma nau? Tem certeza que foi essa palavra que ele disse?

-Tenho! Claro! – frisou.

-Uma nau é um navio da época do descobrimento, uma caravela pra ser mais exato. – esclareceu Francisco.

-Mas o que um navio antigo desses ia fazer aqui?

-Não existem mais navios como este Graziela. - tornou Francisco.

-Então...

-Então o que viu foi um fantasma.

-Meu Deus! Eu toquei num defunto... Há! Meu Jesuzinho Cristinho! O que é que eu vou fazê da minha vida, se esse homem que vive assombrando os meus sonhos é um fantasma! Meu Deus! Meu Deus! - Dizia desesperada quase aos prantos.

-Calma! – pedia Francisco. – Não deixe que os outros escutem, fique calma, por favor, Grazi.

-Mas Francisco...

-Escute, o que você pensou que fosse? Já viu alguém andar sobre as águas?

Grazi ficou olhando para ele como se quisesse pôr alguma coisa dentro do seu cérebro em ordem. Não havia parado para pensar nisso.

-E quem tu acreditas que seja? Se é que tens alguma idéia.

-Amanhã trarei um livro que tenho em casa, escrito pelo professor Nereu do Vale Pereira, que contém a foto de um navegador que desconfio ser o tipo que você descreveu. E, ai, você me diz, se é a pessoa que você viu, certo? – fez uma breve pausa olhou dentro dos olhos da funcionária e completou: - Mas, por favor, não vamos contar aos outros o acontecido, ok?

-Tudo bem. – concordou Graziela.

Juntos perfizeram o caminho de volta. Os demais funcionários esperavam por eles, sentiram os olhares especulativos de uns e desconfiados de outros.

-O que aconteceu? Vocês parecem tão assustados? – Perguntou Berenice com ar de desconfiança.

-Parece até que viram um fantasma? – instigou Márcio.

Francisco olhou para ambos com ar de sério e respondeu firme:

- Nada demais.

Calaram-se!

6º CAPÍTULO

O LIVRO

No dia seguinte, assim que o restaurante abriu Francisco, que havia passado a noite praticamente em claro por conta do que viu no trapiche, levou consigo o livro que continha uma foto que ele acreditava ser o suposto fantasma, Sebastião Caboto .

Assim que chegou ao restaurante chamou sua funcionária num canto, abriu o livro na página marcada onde estava o retrato do navegador, mostrou a ela, e indagou com a voz emocionada:

-Acaso foi este o homem que viu noutro dia, e noite passada no deque?

Grazi, pegou o livro nas mãos, examinou o retrato, olhou para Francisco com os olhos rasos d’água e disse:

-É ele mesmo... Meu Deus! – exclamou levando a mão aos lábios.

Francisco narrou a história de Caboto e sua ligação com o Porto do Contrato. Ao final disse:

-Ele deve ser uma espécie de mentor que protege esse porto!

Depois daquele episódio, muitos outros envolvendo a aparição de Sebastião Caboto foram descritos por outros funcionários, que juram ter visto vultos zanzando ao final do expediente do Porto do Contrato!

patricia mackowiecky
Enviado por patricia mackowiecky em 05/08/2009
Reeditado em 26/07/2013
Código do texto: T1738444
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