- Meu QUASE encontro com Fernando Pessoa
Ás dez e vinte e sete daquela manhã um garoto de recados me entregou a resposta da carta. Viajei num navio chamado Henriqueta dias antes, e estava queimando de expectativas quando desembarquei e corri pelas ruas a procura de um quarto de hotel, recitando poesias em meu inglês bizarro e poesias de Pessoa. Hospedei-me em um quarto alugado num hotel-pensão barato com banheira no toalete, o único quarto que encontrei por menos do que eu tinha no bolso (mas minhas aventuras empobrecidas não importam agora).
Havia conseguido a viagem para Portugal com os pequenos contos e textos que a revista publicou, de início não pensei em receber valor algum, era minha paixão, um desejo, ler meu nome ao sopé das páginas, e saber que fui eu... Que escreveu cada uma daquelas linhas. Apartir de rabiscos e ideias perdias...Voilá. Lá estavam meus textos, publicados em uma revista "clandestina" que trocava de nome todo santo sábado, se não me engano o nome agora era Livre Espírito talvez Livr'espírito...Ou coisa parecida.
Um companheiro de biblioteca e longos debates sobre Heterônimos, me disse que poderia conseguir um encontro com o cunhado do primo de um conhecido que trocava as dobradiças da porta da frente, de onde Fernando Pessoa trabalhava, falando com o tal do trocador de dobradiças (segundo Sassa, meu companhero de biblioteca) eu conseguiria algumas palavras ou quem sabe até mesmo um almoço com Fernando Pessoa. Enquanto suava e pulava de um lado para outro, recebi a visita de um menino magricela que entregou um envelope pardo, onde, depois da gorjeta ao "mensageirinho" as mãos nervosas abrirem com cuidado o envelope, a caligrafia estranha e manchada do trocador de dobradiças dizia que eu deveria esperar o poeta ao meio dia em ponto próximo a um restaurante que também oferecia o serviço de engraxataria.
Uma trovoada me assustou segundos após deixar a carta sobre a cama desfeita...Corri naquele mesmo instante até minha mala, lá estava uma antiga sombrinha que já me salvara de chuvaradas repentinas. Sai tropeçando calçada a fora, temia não encontrar o restaurante, mas para minha felicidade trombei com o "mensageirinho", o garoto me disse que o lugar não era longe e que eu acharia facilmente se fosse com ele... Levamos meia hora segundo meu relógio de pulso para chegar ao local combinado eram quase onze e quarenta e cinco da manhã quando a chuva começou, o menino correu para se abrigar no restaurante, eu fiz o mesmo, mas logo voltei ao meio da praça para esperar olhando diretamente para a ruela que presumi ser por onde ele, o poeta... Criador de Ricardo Reis & Cia apareceria. As pessoas passavam apressadas com suas sombrinhas sobre a cabeça, e lá estava eu - Agora sentado em um banco, como se a chuva não batesse no chão ou molhasse o banco, mas empertigado ali me senti seguro.O mais estranho foi quando uma mulher bem vestida, bem portada também, parou alguns passos, parecendo procurar alguém, a observava com o canto dos olhos, ela veio até mim e perguntou as horas, eu respondi que eram quase doze, ao certo - Onze e cinquenta e três. Ela sorriu agradeceu e comentou que não gostava da chuva, mas teria que ficar por ali também, em seguida sentou-se ao meu lado.
Esperamos... Ela disse que esperava alguém. Eu sorri, não queria conversar com ninguém, mas ofereci a proteção da sombrinha já que ela preferiu ficar ali sentado do que se abrigar no restaurante.Eu estava ocupado demais pensando no que falaria para ele, o poeta, que não me importei em não dizer meu nome ou o que eu estava fazendo ali sentado feito um idiota. Passaram-se duas horas, uma carroça passou, e duas freiras, e também a chuva. Continuei ali sentado, a sombrinha agora nos protegia do sol que surgiu de trás das nuvens para abafar e secar as ruelas a mim e a mulher ao meu lado.Ela foi embora sem dizer mais nada se não um "mui grata!", levantou-se e saiu a marchar em direção ao oeste, bem vestida, meio molhada.
Esperei e esperei... Outra chuva veio, essa foi mais forte me obrigando a correr até o restaurante, esperei por mais duas horas, até voltar para o hotel frustrado.
Lá encontrei um bilhete, somente um bilhete... era dele, do poeta... Me pedindo desculpas, dizendo que não poderíamos nos encontrar porque tinha de se encontrar com outra pessoa, uma mulher, mas não sabia se deveria, pois os astros diziam o contrário.Desculpou-se também por não me enviar nada (entre parenteses escreveu a palavra LIVRO) pois já havia enviado o último que possuía para a tal da mulher... (no mesmo instante eu pensei na mulher bem vestida que sentou-se ao meu lado no banco molhado).Em letrinha miúda ele escreveu:
"Quem sabe em outra oportunidade...
Atenciosamente Fernando Pessoa".