A PROMESSA.


     Em 1955, dez anos do pós 2ª grande guerra, o Brasil tinha uma população de 60 milhões de pessoas, o Presidente era Café Filho, Vice de Getúlio Vargas, que havia cometido suicídio. No final daquele ano o país andava as voltas com um levante militar para garantir a posse do presidente eleito JK. O mundo vivia a intensificação da guerra fria entre os Estados Unidos, que lançava ao mar seu primeiro submarino nuclear, o Nautilus, e a União Soviética, que estava em seus últimos preparativos para lançar ao espaço o primeiro satélite artificial da terra, o Sputinik. Nos cinemas fazia sucesso o filme, “Suplício de Uma Saudade”, com William Holden e Jannifer Jones. Em meio a essa algazarra, às 16h15min do dia 18 de setembro, em um hospital da rede pública da cidade de Belo Horizonte, cheguei ao mundo.

     Sou o primogênito de seis filhos do Seu Leal e da Dona Zilá, meus primeiros meses de vida foram bastante complicados, minha mãe, após o parto, passou a ter problemas de saúde, agravados por períodos de depressão. Fiquei sob os cuidados de minha tia materna mais velha, Isaura, quem me arranjou uma ama-de-leite, dado a impossibilidade de minha mãe amamentar-me. Constatou-se também que havia adquirido uma infecção no parto, o que me causava diarréia súbita, vômito, febre e consequentemente, desidratação, sendo àquela época, minha vida tênue e as visitas médicas diárias. Dizia minha tia que cheguei a estar desfalecido em seus braços, quando desesperadamente suplicou ao seu protetor, Santo Antônio, para que me ajudasse. Com a promessa feita e o pedido atendido, restou-me efetuar o “pagamento”, que deveria ocorrer quando de meus 14 anos de idade. Ao Santuário de Santo Antônio das Roças Grandes, região de Sabará, teria de ir paramentado nas vestes do santo, agradecer a graça alcançada.

     Com poucos meses de vida fui tomador e avalista passivo de uma “dívida”, contraída por minha tia, em meu nome com seu santo protetor. Na adolescência foi meu primeiro mico, não concordava em cumprir a promessa feita de tipo nenhum. Imagina! Caminhando pela cidade vestido de santo. Eu? Além do mais me considerava desobrigado do ônus, pois a promessa não fora feita por mim. Atendendo aos pedidos de minha tia, meu pai foi ter comigo uma “conversinha”, que terminou quando ele decidiu que eu havia “concordado” com seus argumentos. Meu pai era muito persuasivo, então, ao Santuário me dirigi, vestido como prometera minha tia, para a quitação do “débito” junto ao santo.

     Alguns anos antes da quitação da “dívida” lembro-me com saudades de ter sido presenteado por meu pai com um carrinho de pedais. Morávamos em uma casa no bairro Caiçara, o terreno era grande e a casa ao fundo. Um passeio de concreto ligava a casa à rua, esse passeio muito íngreme pensava ser uma estrada. Eu empurrava o carrinho até a casa, tomava assento, segurava o volante e soltava os pés dos pedais, o carro “despingolava” ladeira abaixo só parando com o uso do freio, que eram meus pés, devidamente calçados, diga-se de passagem. Em uma dessas intrépidas corridas juntou-se a mim um vizinho, de quem não lembro mais o nome. Refiz os procedimentos, empurrei o carro ladeira acima, tomei assento na direção, e segurei o volante. O vizinho, como não havia banco para o carona, tomou assento no capô do carro. Após o grito de guerra, “saí-da-frente”, soltei os pés dos pedais e em segundos estávamos indo a grande velocidade. É bom salientar que, com poucos anos de vida desconhecia por completo a lei de Newton. O resultado dessa corrida ficou estampado em forma de feridas em nossos corpos. O freio não funcionou satisfatoriamente e fomos de encontro à cerca de arame farpado no final da “estrada”.

     Fico a imaginar: teria o santo me estendido a mão outra vez mais, para garantir-se da quitação da dívida, ou teria, verdadeiramente minha tia, uma facilidade de acesso aos anjos?

 
JLeal
Enviado por JLeal em 18/07/2009
Reeditado em 20/04/2015
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