ESTRAMBÓTICO E ESFALFADO.


     Adorar aviação é passar horas e horas sozinho, debruçado em um terraço para poder ver os aviões de perto, é sentir o cheiro do querosene, é ouvir os burburinhos característicos dos aeroportos, é conhecer cada aeronave em seus mínimos detalhes, logo, este era o meu programa favorito na década de 70, no acanhado terraço do aeroporto da Pampulha. Li em algum lugar que não escolhemos nossas paixões, elas simplesmente acontecem, nos levando a arquiteturas impensadas... A minha aconteceu em uma manhã, às seis horas de um belo sábado, quando acordei minha mãe e lhe disse que estava indo jogar bola com o pessoal do colégio, em um bairro distante, e que voltaria ao final do dia. “Mas que futebol que nada”, segui em direção ao aeroporto, bilhete em mãos e vôo marcado para o Rio, às nove da manhã, pela Vasp. Vi aquele mesmo terraço, que me era familiar, em seu inverso, marinheiro de primeira viagem e saciando um desejo latente, aos 17 anos de idade, uma satisfação rara. Naquele já distante sábado, passei todo o dia no velho Galeão, debruçado no terraço, vendo os aviões de perto, subindo ou descendo, senti o cheiro forte do querosene, comparei cada aeronave vista e escutei todos os burburinhos possíveis. À tardinha voltei para casa com o coração e me sair pela boca, tamanha era a emoção pelo desejo saciado, até hoje, repasso na memória cada segundo vivido. Atualmente cuido de outros afazeres profissionais, distintos à vontade de ontem, mas o sentimento continua forte nestes mais de 35 anos, desde o meu primeiro vôo.

     Dentro da aviação podemos acumular uma grande variedade de experiências, dentre as minhas, uma em particular gosto de narrar, foi quando de meu primeiro vôo internacional. Estava em direção aos EUA, atravessávamos o mar do Caribe quando o Comandante fez sua voz ecoar pela cabine, avisando-nos que o nosso vôo, por motivos de força maior, teria de ser desviado. Rumamos para Kingston, capital da Jamaica, por uma espera de solução ao caos que se estabelecera entre os passageiros, logo após o aviso que a Vasp fora proibida de aterrissar em Miami. Um sentimento próprio dos jovens, resultado de qualquer circunstância inesperada, me tomou a mente... Aventura. Como dizia minha avó, o que começa estrambótico termina esfalfado, era o caso, deixamos o Galeão às 03:00hs da matina, em um vôo que se iniciou em Congonhas às 01:30hs, cá pra nós, um horário nada habitual. Por volta dás 06:00hs fizemos outra escala em Manaus, onde permanecemos cerca de 45 minutos, para logo em seguida retomar a direção de Miami.

     Por volta de 09:30h sentimos o calor caribenho intenso invadindo o B737-400, já em solo jamaicano. Como não havia “fingers” para desembarque, nem tampouco ônibus para o transporte, fomos a pé até o terminal, cerca de 50 metros, acredito por não ser um vôo regular, e sim uma emergência, nos colocaram em uma posição afastada. Fomos avisados que prosseguiríamos a viagem pela Jamaican Air Lines em horário marcado para as 17:00h. Entre as palavras de baixo calão proferidas, a revolta se instituíra. Estávamos em frente ao balcão da companhia jamaicana a esta altura apoderada pelos tripulantes da Vasp, que não tinha representação naquele país. Dirigi-me a um dos tripulantes, que tentavam ordenar o levante, perguntei se era possível sair do aeroporto e conhecer a cidade, ao invés de ficar plantado na sala de espera. O aeroporto de Kingston em 1985 me lembrou muito o Galeão de final da década de 60, por fim, fui liberado para o passeio, obedecendo aos trâmites imigratórios legais. Contratei os serviços de um taxista rastafari, me vindo à mente, logicamente, a lembrança de Bob Marley, morto havia 4 anos. A Jamaica é um país... Eu diria... Diferente. Assim como o vizinho Cuba, é um país insular. Foi descoberto pelos espanhóis e tomado pelos ingleses no século XVII, nos dois séculos seguintes, foi o maior produtor de açúcar do mundo, usando para tanto a mão de obra escrava. No século XIX as constantes rebeliões culminaram na abolição da escravatura, a população negra representava mais de 90% da totalidade. A partir de 1962, tornou-se nação independente, sendo atualmente o 3º maior país de língua inglesa das Américas, com quase 3 milhões de habitantes. Se pudéssemos fazer uma comparação entre Brasil e Jamaica, o referencial seria, sem dúvida, Salvador na Bahia.

     Em meu passeio pela capital jamaicana, e com grande dificuldade em entender o taxista, meu inglês de então, era o básico dos básicos, fiquei decepcionado. Esperava ver pujança e o que vi foi um país em pior condição que o meu. Há de se levar em conta também, o meu precário grau de conhecimento à época. Após hora e meia de passeio, não havia muito o que se ver, além de estar com aquela impressão de o motorista rastafari estar me levando pelos mesmos caminhos, então, pedi que me levasse de volta ao aeroporto. No retorno à sala, onde se amontoavam os passageiros do vôo desviado, e em meio a um calor insuportável, ficamos a trocar lamurias, até o embarque em um B727-100 caindo aos pedaços da companhia jamaicana. Apesar dos pesares o trecho final da viagem, transcorreu normalmente.

     Em solo americano o desembarque efetuado pelo “finger”, e sentindo o ambiente suavizado pelo ar condicionado, fomos passeando de trem pelo aeroporto até o terminal de desembarque. Uma diferença terrível, se possível fosse a comparação com Kingston. Todavia, os nossos minutos no éden estavam em contagem regressiva, assim, que chegamos frente à imigração. Perguntavam-nos o motivo da troca de aeronaves na Jamaica, não sabíamos exatamente a resposta. De imediato fomos todos enviados às salas de triagem da policia alfandagária. Para a minha entrevista foi designada uma policial, muito bonita, diga-se de passagem, e com um português impecável, pois, havia morado vários anos no Rio. Não se cansou em perguntar, o motivo de minha ida aos EUA via Kingston. Não conseguindo uma resposta sastifatória passou a me argüir sobre o porquê de minha ida. Pensava cabisbaixo com meus botões, poxa, vou ser deportado em minha primeira viagem ao exterior. Lá pelas tantas me pediu que tirasse todos os pertences do bolso, fuxicando minha carteira encontrou meu cartão de crédito. Imediatamente chamou seu superior que lhe deu um sinal positivo.

     Logo em seguida estava liberado, à custa de meu cartão de crédito, que somente não ficou no Brasil por esquecimento, uma vez que naqueles idos tempos, os cartões brasileiros não tinham validade internacional, era em minha carteira, simplesmente um estorvo. A policia imigratória, aparentemente, não tinha conhecimento desta limitação, o sentimento capitalista americano falou mais alto, analisaram somente a minha possibilidade de consumo, mal sabendo eles que levava comigo apenas a conta do chá. Em seguida às aventuras a bordo dos aviões da Vasp e Jamaican e deixando de lado o último trecho do bilhete, Miami-Orlando, segui de carro, por via das dúvidas.

 
JLeal
Enviado por JLeal em 17/07/2009
Reeditado em 20/04/2015
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